Novo modelo de organização
social,...
...para um outro modo de vida
Os mecanismos de decisão que comandam a realidade social não se regem
pela lógica da razão, apenas pela força dos interesses. É exactamente no
emaranhado complexo dos interesses que se deve procurar a explicação para os
aparentes bloqueios que infernizam a vida das pessoas. Afinal, tudo se reduz a uma ‘opção fundamental
da sociedade', pois 'a questão não é tanto saber se é necessário ou não reduzir o
tempo de trabalho, mas saber como se fará esta redução: seja de
maneira discriminatória, privando alguns de um pleno acesso ao emprego
(...), seja, pelo contrário, repartindo de maneira igualitária os
benefícios de uma progressão global da produtividade’ (M. Husson,
1996).
Num mundo prestes a
desmoronar-se, multiplicam-se as atitudes irracionais, precipitadas, quase
instintivas, desesperadas mesmo, daqueles (e são a maioria) que, lutando por
sobreviver no caos instituído, procuram agarrar-se às condições que o fundaram
e a custo o vão aguentando. Inscritas na matriz de um sistema que prima pela
irracionalidade (veja-se, por exemplo, a gestão do potencial de riquezas do
planeta), estas atitudes resultam da percepção de que vai escasseando o
suficiente para permitir a todos manter, por muito mais tempo, os padrões de
vida actuais, de que se torna vital lançar mão e dispor, por quaisquer meios,
mesmo os militares (quando, para tanto, há capacidade), dos recursos que
fizeram o sucesso do modelo económico e social, agora em crise.
A lógica inserida na dinâmica de progresso que
acompanha o homem, determinaria, como resultado natural dos desenvolvimentos
técnicos conseguidos, a consequente redução do esforço humano
aplicado no trabalho de
produção de bens e serviços. As preocupações em torno da ‘redução do
tempo de trabalho’ são antigas, pode dizer-se que acompanham todo o
processo de desenvolvimento da Humanidade. A implantação do capitalismo trouxe
o advento das sociedades do lazer, impulsionadas pelo progresso técnico e a
automação da actividade produtiva. A robótica (entre outras formas de
automação) substitui o trabalho manual, libertando tempo antes dedicado à
produção e com evidentes ganhos de produtividade.
Contudo, aquilo que se apresenta
como resultado natural de um processo de substituição do esforço individual das
pessoas (o trabalho manual) por uma crescente intervenção das máquinas e da
inteligência artificial, esbarra não nos limites da técnica mas nos interesses
particulares dos grupos sociais que dominam a organização social do
capitalismo através de condições específicas impostas a nível mundial – globalizada
no seu nível económico, mantida nos limites nacionais a nível
político – o que permite todo o tipo de chantagem na base dessa constante
ameaça da ‘deslocalização
de empresas’! Daí assistir-se hoje, no campo laboral, a situações
aparentemente contraditórias ou mesmo absurdas, de imposição patronal de
alargamento dos horários de trabalho, a par do... aumento do desemprego!
Mesmo aquilo que, em determinado momento histórico, parece
surgir como a solução para a crise que se instala, rapidamente se transforma na
causa de novos problemas: o modelo keynesiano, de que deriva o Estado
Social, consegue salvar o capitalismo da derrocada eminente no período pós
Grande Depressão, mas acaba por se desgastar e quase se perder nos limites
sociais de um sistema exclusivista (no duplo sentido: selectivo e promotor da
exclusão); o modelo neoliberal, por sua vez, ao pretender salvar o
capitalismo das ‘garras’ do Estado Social, devolvendo toda a liberdade à
economia, parece destinado, tudo o indica, a demonstrar, com mais rapidez do
que seria de esperar, a natureza realmente suicidária deste sistema, ao actuar,
ainda que a contragosto, como seu principal carrasco.
O capitalismo tem demostrado, ao longo da sua curta mas
atribulada existência, capacidade suficiente para, perante novos desafios,
saber adaptar-se às novas exigências, mas mantendo intacta a sua matriz
essencial, à custa, é certo, de algumas das maiores monstruosidades históricas
(com relevo para o conjunto dos regimes totalitários, sem excepção). Contudo,
ao contrário do que sucedia nas crises anteriores, típicas do sistema, a
turbulência actual não se reduz apenas a mais um ‘salto tecnológico’ (com a
consequente alteração nos ritmos de produtividade e o lançamento de novos
produtos), idêntico aos que pontuaram toda a história do capitalismo e fez
deste um sistema instável, caracterizado por períodos de crescimento alternando
com crises cíclicas.
O que se encontra verdadeiramente em gestação é uma transformação
social profunda, pondo em causa as próprias relações de produção, por força
da decomposição da relação base do capitalismo, a relação salarial.
Não é, então, de mais uma crise que se trata, mas da exigência histórica de
substituição do próprio modelo de organização social, inteiramente subordinado
ao funcionamento e existência do mercado, pois que entender isto permite a
vantagem de se poder, com a devida antecipação, preparar o futuro. Pelo menos
estar prevenido para o que aí vem e se anuncia, de forma irreversível.
(...)
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