sexta-feira, 24 de maio de 2013

Saídas para a crise – I


Alternativas clássicas:  à espera de um milagre?

Há muito que tenho vindo a insistir num ponto crucial: que a crise actual dificilmente encontrará saída estável nas alternativas clássicas, sejam as propostas dentro do modelo de mercado ou as de fora dele. E mesmo que pareçam consegui-lo, que apenas estarão a adiar o inevitável, que a única solução coerente para a questão posta pelas actuais condições técnicas da economia – Que fazer com esta produtividade? – passa pela reorganização do tempo, implicando a alteração dos parâmetros da sociedade do trabalho, por um novo modelo social que organize de modo diferente a ocupação do tempo das pessoas.

As propostas clássicas de organização social que aqui considero são basicamente três: a via liberal do mercado auto-regulado, a proposta keynesiana da intervenção moderadora do Estado e, fora do mercado, o modelo colectivista da estatização total. Qualquer destas alternativas, independentemente da sua maior ou menor aplicabilidade momentânea, está esgotada nos seus propósitos e ultrapassada nos meios para os atingir – face à ineficácia que demonstram na resolução do principal problema com que as sociedades crescentemente se defrontam: a ocupação do tempo das pessoas e o indispensável aproveitamento das suas capacidades, a nível individual e colectivo.

A solução assente na expansão das exportações, por exemplo, proposta de eleição da via liberal (a obsessão pela austeridade é ‘apenas’ instrumental, neste contexto), é apresentada como panaceia universal (no tempo, modo e espaço da sua aplicação), envolta na teologia de uma crença inabalável nas virtudes do comércio livre – ainda que dependente (na senda cavaquista das recentes intervenções divinas) do ‘milagre do investimento externo’! Mas o desenvolvimento lógico de um modelo exportador adoptado por todos os países (baseado, é certo, nas leis coercivas da concorrência), desemboca num impasse global, historicamente resolvido através de guerras de destruição devastadoras. São razões de sobrevivência, pois (e não só as ligadas à guerra, sobretudo até as derivadas da limitação dos recursos naturais, sujeitos a enorme pressão competitiva), que impõem prudência nesta abordagem e, no final, a rejeição do seu primado político, a que tudo se subordina.

A aposta no modelo keynesiano do crescimento pela via da reanimação da procura, interna e externa (contra a presente política de recessão contínua) teria o efeito de atenuar, no imediato, a brutalidade das medidas que estão a ser impostas pelo neoliberalismo, mas não resolveria, em definitivo, o problema principal da dramática libertação de tempo de trabalho que o incremento tecnológico vem provocando cada vez mais profundamente nas sociedades actuais. Quando muito contribuiria para dar tempo a que, entretanto, pudesse surgir e ser implantada uma solução estrutural mais consistente.

Sobre o modelo colectivista, tendo em conta o seu passado histórico e as presentes condições sócio-económicas, é hoje (quase) uma impossibilidade política (e até ideológica) poder vingar em qualquer parte do mundo. Mas mesmo pondo de lado os historicamente comprovados efeitos perversos da colectivização total (burocratização, despotismo, corrupção,...), não faz sentido insistir num modelo de sociedade cujo parâmetro fundamental de organização social continua a ser o valor do trabalho (ainda que por contraponto com a actual dominação do capital). Ao apostar no ‘valor’, também não apresenta uma solução específica para ultrapassar, de raiz, o problema do tempo excedente que resulta dos enormes índices de produtividade técnica actual, seja do trabalho ou do capital (mesmo que se veja este como trabalho acumulado).

Curioso notar que até a actual distribuição partidária parlamentar, reflecte estas tendências (incluindo partidos charneira): do fundamentalismo liberal do actual PSD, ao ecletismo de pendor keynesiano do PS, até ao empedernido estatismo do PCP, passando pelo que resta da democracia (social) cristã de um malabarista CDS (recentrado entre o ‘actual’ PSD e ‘este’ PS?) e pelo cadinho de tendências alternativas, de pendor socializante, que integram o BE (postado entre um hesitante PS e um imobilista mas coerente PC). Nada disto, porém, augura um futuro muito consistente.

Claro que não é indiferente para a vida das pessoas a opção por uma ou outra destas propostas, como se tem vindo a comprovar – não obstante a débil consistência a longo prazo de todas elas. No imediato (e a menos que aconteça alguma hecatombe), impõe-se apostar na que melhor responda às necessidades prementes das pessoas, dando tempo a desenvolver-se um modelo alternativo de organização social, que tenha em conta a produtividade real e a sua justa partilha. E a distinção, nesta fase, passa por se reforçar o Estado Social (e não destruí-lo), impedindo-se que a ‘mão invisível’ do mercado, através do ‘jogo’ da competição selectiva, acentue a marginalização e a exclusão social de um número crescente de pessoas. Com o trabalho a acabar dividido entre remediados e excluídos – hostilizando-se mutuamente!
(...)

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