segunda-feira, 27 de maio de 2013

Saídas para a crise – II

Queda da civilização do trabalho?

Vivemos no meio de um logro magistral, de um mundo desaparecido que nos recusamos a reconhecer como tal, e que políticas artificiais pretendem perpetuar. Milhões de destinos são devassados e aniquilados por esse anacronismo, devido a estratagemas tenazes destinados a dar como imperecível o nosso tabu mais sagrado: o trabalho. Assim se exprimia, já em 1996 (!), a ensaísta e crítica literária do jornal Le Monde, Viviane Forrester, na abertura de ‘O horror económico’. Para logo a seguir acrescentar: ‘Desviado sob a forma perversa de ‘emprego’, o trabalho dá de facto fundamento à civilização ocidental, que domina por inteiro o planeta. Confunde-se com ela (...). Ora esse trabalho (...) não passa já, nos dias que correm, de uma entidade destituída de substância.
Os nossos conceitos de trabalho, e portanto de desemprego, em volta dos quais se desenrola (ou finge desenrolar-se) a política, tornaram-se ilusórios (...). Mas continuamos a fazer as mesmas perguntas fantasmagóricas às quais, sabem-no muitos, ninguém responderá, a não ser o desastre das vidas que esse silêncio destroça e que representam, cada uma delas, um destino, embora o esqueçamos.

Já antes aqui tinha trazido citações desta notável ensaísta (falecida há cerca de um mês) e que, não obstante produzidas à distância de quase vinte anos(!), dão bem a ideia do debate que timidamente vai despontando em torno do principal drama que, sobretudo nas sociedades ocidentais, ameaça a vida da maioria das suas populações, perante o acentuar dos sinais que apontam para o desmoronar do modelo em que até agora assentava, em boa medida, grande parte da sua estabilidade, segurança e prosperidade, ‘o mercado do trabalho’. São as próprias condições de sobrevivência que estão em causa quando o processo de destruição de empregos e a crescente falta de trabalho (com a consequente insegurança que transmite a súbita ausência dos rituais habituais que garantiam as tradicionais perspectivas de subsistência) atingem os níveis actualmente registados nestas sociedades. Um facto parece, pois, estar cada vez mais a impor-se na realidade social, o de que o emprego acabou!

Na lógica do sistema, o trabalho só se justifica, só é necessário, enquanto for útil ao capital, na medida em que este tiver interesse em explorá-lo. Só é empregado, só tem direito ao trabalho quem for considerado útil para produzir lucro ou, dito de outro modo, o trabalho/emprego subsistirá apenas enquanto for útil ao lucro. A noção de exploração é, pois, por definição, intrínseca à própria prestação do trabalho assalariado, reduzido a mero factor de produção. É, aliás, o factor mais facilmente descartável, porque tudo se encontra montado, neste sistema, para que seja o trabalho o principal responsável por qualquer anomalia no processo de produção (ausência de qualificação, baixa produtividade, obsolescência dos produtos,...). Contudo, pior que ser útil, portanto explorável, mas incluído no sistema, é ficar de fora dele, ser considerado não rentável, supérfluo e excluído.

Trabalho e emprego (ou desemprego) fazem de tal modo parte do quotidiano das sociedades actuais, encontram-se tão enraizados na vida das pessoas, que dificilmente se concebe outra forma de organização social em que tais conceitos possam encontrar-se ausentes. O certo é que a sociedade baseada no trabalho, pelo menos tal como a conhecemos hoje, foi posta irremediavelmente em causa pela própria evolução tecnológica. À semelhança do que ocorreu em outros momentos históricos de transição, pode afirmar-se que as relações sociais actuais, assentes em grande medida no trabalho assalariado, já não correspondem ao avanço alcançado pela tecnologia, cada vez mais ‘inteligente’ (integração de inteligência artificial) e libertadora de tempo de trabalho, tornando-se, portanto, num obstáculo à evolução económica das sociedades, mas constituindo sobretudo um entrave ao desenvolvimento individual e social do Homem.

Viviane Forrester vê na globalização a origem da ‘moderna’ exclusão social, a multidão crescente dos desempregados, poisempregos extintos não serão recriados, substituídos pela automação inteligente, pela informatização prodigiosa. E aponta a necessidade de se procurar um outro tipo de organização de sociedade, de uma mudança urgente de paradigma: ‘Parte do trabalho humano está a morrer e outra parte está a ser deslocalizado (até morrer). O problema fundamental não pode ser resolvido com a luta pelo emprego (porque este está a desaparecer), mas com a luta pela distribuição da riqueza criada.(...) Os downsizings e as reduções de pessoal não se devem a deslocalizações, mas sim à automatização, à robotização e à informatização.’
Os problemas das deslocalizações e da invasão de produtos muito baratos vindos do extremo oriente, resultam das leis do próprio capitalismo...num processo que conduzirá à sua própria auto-destruição.’

É pena que os melhores de nós vão desaparecendo, sobretudo num tempo em que o seu contributo mais se tornaria necessário. É a lei da vida, é certo. A mesma que ditará também a hora do capital!
(...)

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