quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A cultura do novo capitalismo – II

Um político ausente da política
– ou a sonolenta superioridade de uma fraude

À medida que a campanha avança e forçado pelos acontecimentos, Cavaco tem vindo a destapar a hirta máscara que normalmente lhe afivela o rosto, a pose entre a vitimização e a ameaça velada, expondo propósitos furtivos sem, contudo, ser capaz de apresentar uma ideia nova, uma proposta definida para um próximo mandato. Ao bom estilo do sonso, manifesta-se, sem pejo nem vergonha, isento de responsabilidades pelo estado da situação actual. Mas logo de seguida, no mesmo sítio, à mesma hora, é capaz de produzir a surpreendente promessa de que ‘tudo farei para alterar esta situação’!

Talvez por isso Cavaco tenha admitido há dias que, no mandato que agora termina, se não andou a dormir, andou pelo menos sonolento. É o que se depreende da afirmação, produzida algures no Alentejo, de que ‘irei exercer a minha magistratura activa (?) com MAIS ATENÇÃO (...) do que no passado’. ‘Com mais atenção’? Mas isso significa que, até agora terá andado algo desatento, que pelo menos era possível ter feito melhor, desde logo ter-se mantido, precisamente... ‘com mais atenção’. Que dizer, por exemplo, da triste figura que fez perante V. Klaus? Para que serve um Presidente ausente?

À parte saber-se se da admitida sonolência deste Presidente adveio algum grande mal ao mundo (à parte o episódio checo, pouco se perdeu com isso, pois de uma sua ‘vigilante’ actuação sairia ainda maior asneira, pela certa), por uma vez – há que reconhecê-lo – Cavaco excedeu-se em honestidade: para quem nunca se engana e raramente tem dúvidas, esta inédita nota de auto-crítica, mesmo que involuntária, garante-lhe, para já, um momento de rara humildade democrática – ou apenas uma nesga de lucidez no meio da sua permanente alucinação de superioridade?

Mas onde é que a enigmática fórmula da ‘magistratura activa’ do esfíngico Presidente irá revelar-se? Que acções, que valores, que objectivos lhe darão conteúdo?

Um bom ensaio pode ter sido o 1ª leilão do ano de dívida pública, ocorrido em ambiente de grande expectativa e de dúvidas sobre o futuro imediato. No final, as condições obtidas (procura e preço) constituíram uma boa notícia – não obstante, a prazo, o preço atingido dever considerar-se insustentável. Ganhar tempo parece, nas circunstâncias actuais, a estratégia possível face ao dilema económico imposto pelo contexto externo: solução global europeia ou desintegração da UE. Mesmo os comentários, a propósito, do Nobel Krugman, são sobretudo dirigidos ao conjunto da Economia Europeia – ou à ausência nesta de uma verdadeira política económica (na sequência, refira-se, das críticas que tem vindo a produzir sobre os caminhos trilhados por ‘esta’ UE).

Pois foi este o momento aproveitado pelo douto prof. Cavaco para, antecipando o fracasso da operação e esperando daí colher outros resultados, ameaçar com a possibilidade de uma crise política – o que, por si só e perante o desfecho da operação, para além da leitura política, não deixa de constituir mais uma prova do brilhantismo da sua competência económica. Em lugar de garante da estabilidade, Cavaco passou a constituir mais um factor de incerteza, ficando a pairar, sem ter a coragem de o afirmar, uma possível dissolução do Parlamento após as eleições. Só ainda não se percebe bem, perante o vazio de ideias que o preenche, o propósito real de tal empreendimento...

Com efeito, das 6 candidaturas é possível encontrar propostas concretas em três delas: Alegre centra-se na defesa do Estado Social, Defensor de Moura apela à regionalização, Coelho visa a luta contra a corrupção instalada no poder. Quanto aos restantes, se a candidatura do PC se inscreve na própria matriz programática do partido, Nobre surge eivado de um purificador espírito messiânico e só o futuro dirá qual o saldo desta aventura e os seus efeitos no projecto que ele personifica. Resta Cavaco, e neste cada dia se torna mais evidente o vazio de ideias e de propostas. No início, bastar-lhe-ia apelar ao estereotipado perfil de cidadão impoluto – 'os portugueses conhecem-me’ – encerrando-se aí todo o seu programa. Agora, porém, após a revelação da sua conexão ao escândalo BPN, mais raramente e a medo...

Arrisco dizer que Cavaco ficará na História como uma das nossas maiores fraudes. Pelas expectativas sebastianistas que gerou, face aos resultados que produziu. Apenas um reduzido grupo de ‘amigos’ sai beneficiado. Dias Loureiro e Oliveira e Costa são o verdadeiro rosto do cavaquismo. Vindos do nada, pretensos ‘self-made-men’ que, a coberto de uma rede que foi sendo montada desde que Cavaco ascendeu ao poder, em 1985, foram construindo impérios de interesses a que ‘souberam’ ligar o nome do próprio Cavaco, não obstante a constante profissão de fé na sua isenção, honestidade e seriedade, no meio de um discurso apolítico, pretensamente acima dos partidos!

É mesmo assim, quanto mais distantes e alheados da política se ‘afirmarem’ os políticos, mais caminho abrem aos interesses económicos. Também aqui é visível a cultura do novo capitalismo! Afinal a cultura política de Cavaco.

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