‘Agarrem-me senão eu fujo!’
À parte a resposta às interrogações formuladas no comentário anterior – só por si merecedoras de aprofundamento em pelo menos outros tantos comentários – importa por ora expressar, em complemento de tudo o que ficou dito a propósito deste tema da produtividade nacional, a estranheza pela recorrência com que determinada asserção, atirada em tom de desafio, é produzida tão impunemente.
É vulgar ouvir afirmar-se que a justificação para os desníveis remuneratórios praticados em Portugal visa evitar a ‘fuga de quadros’, acrescentando-se de imediato que ‘a competência paga-se’ e, por isso, o risco que se corre, caso essas competências não sejam devidamente ‘blindadas’ (ou seja, ‘mimadas’ com as mordomias mais obscenas!), é o de os mais competentes poderem ser atraídos por chorudos contratos com que lhes acenam do exterior. ‘Agarrem-me senão eu fujo!’, parecem desafiar, sustentando assim não passarem tais benesses, em face do incorrido risco de uma deserção tão a contragosto (?), apenas de aparentes (porventura até baratos) desmandos.
Pintado assim o cenário, é só esperar que a maior parte dos totós indígenas engulam (sem grandes engulhos...) tamanha boçalidade e aceitem a desconformidade de tais prebendas como se se tratasse de uma fatalidade: caso se verificasse a debandada, então ocorreria o caos, instalar-se-ia a miséria, os maiores opróbrios atingiriam o já tão martirizado povo português! O que justificaria (dados de Manuel António Pina, JN, 24/10/08) que “os portugueses comuns (os que têm trabalho) ganhem pouco mais de metade do que se ganha na zona euro”, enquanto os ‘competentíssimos’ dos nossos gestores se pagam, em média, acima 55% dos suecos e finlandeses (uns bigorrilhas!), ou 22,5% dos franceses (uns pindéricos!).
Haja decoro! Depois do que atrás se disse sobre a qualidade dos ‘nossos queridos gestores’ – com base nos resultados à vista de todos – apetece mesmo dizer: pois que fujam, deixá-los ir embora e... que não voltem mais! O saldo entre as suas apregoadas capacidades e a realidade sentida pela maioria é tão negativo que me atreveria a acrescentar: a sua fuga não só não constituiria qualquer perda, como até poderia traduzir-se numa salutar benção. É que a par de uma tendencial recondução da escala remuneratória média para níveis financeiramente mais sustentáveis e socialmente mais decentes (e menos insultuosos), abrir-se-ia a oportunidade de tantos outros que vêm as suas capacidades bloqueadas por tais crânios, poderem demonstrar que, afinal, são tão ou mais competentes que os que ameaçam fugir para o exterior no encalço de tais miragens.
Temo, contudo, que tal nunca venha a suceder, pela simples razão de que tais ameaças – que não passam disso mesmo, de ameaças – dificilmente algum dia se concretizarão. E é pena, pois assim mais facilmente o país se iria libertando de uma cultura de ‘arrivismo ganancioso’ que lhe vem tolhendo as potencialidades e o impede, seja qual for o sistema económico, de procurar construir uma sociedade mais equilibrada, civilizada e próspera, menos dependente das várias formas de servidão – incluindo a que se acoita na ideologia dos falsos interesses comuns amalgamados em tiradas como a mais recente de Belmiro de Azevedo quando afirma que ‘o país não se pode armar em rico’(...) somos um país pobre’. Qual país? O dele ou o da caixa do Continente a recibos verdes?!!!
Ou de contribuir para a formação de alternativas às estafadas e comprovadamente ruinosas soluções neoliberais responsáveis pela CRISE. Acima de todas a indispensável – e inevitável – reorganização laboral, em torno da redução do tempo de trabalho, o dado central (não o único) a partir do qual será possível equacionar a resolução do problema do emprego (ou do desemprego) – assunto já aqui por várias vezes abordado, mas a que importa voltar sempre, pois constitui um dos elementos estruturantes na resolução da CRISE.
Até lá, dramas humanos continuarão a ocorrer perante a crescente insensibilidade da opinião pública manipulada pelo poder político apostado em reduzir o problema a um mero controle estatístico. E, alheia aos dramas, a CRISE continuará inexoravelmente a aprofundar-se!
Nos ombros de gigantes
Há 10 horas
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