Ouviu-se no último ‘Prós e Contras’, um desorbitado penalista apregoar: ‘O país está em transe para ouvir as escutas!’. Para ouvir, esclareça-se, não o conteúdo das escutas supostamente efectuadas para detectar corrupção, mas apenas ‘o pormenor’ em que um estouvado 1º Ministro (Sócrates), presumidamente (?) é ‘apanhado’ a falar sobre uma destrambelhada ‘jornalista’ (MMGuedes). Não fora o tom hiperbólico da bramida diatribe e o assunto não passaria de mais uma tirada no longo rol de acusações canhestras e defesas obtusas com que um país, de facto posto em transe com tais desaforos, quotidianamente se vê obrigado a confrontar-se.
Escarmentado com a interminável saga ‘Casa Pia’ – o gáudio e condenação populares que a sua exibição pública proporcionou, encontra malsã contrapartida nos já irreparáveis danos no apuramento da verdade – recuso-me a embarcar neste clima de histeria colectiva, seja qual for a campanha ou personalidade envolvidas. Estranha (ou talvez não) a colaboração da comunicação social, seguramente nem sempre descomprometida e isenta, antes mais ocupada em colher os dividendos proporcionais ao efeito de atiçar na turba uma enviesada vingança por conta de magra compensação para desventuras, fracassos e angústias pessoais.
A minha inclinação será sempre a de contrariar o unanimismo das condenações prévias, a de me manter céptico perante verdades impostas, de desconfiar da fúria justicialista. Abundam na História exemplos que desaconselham tal procedimento. E se, no final, tudo o que a comunicação social deu por provado se vier a demonstrar falso? Ou se até só apenas algumas destas ‘impostas’ verdades mediáticas o forem? Talvez por deformação, inclino-me para o lado contrário para onde me querem empurrar. Contra as correntes dominantes, contra a moda, contra as verdades absolutas, contra o rebanho.
Resisto assim, mesmo quando o pé me foge para a dança, em dar o meu contributo para a fogueira com que pretendem – e têm-no conseguido! – queimar etapas ou eliminar provas. Assisto, pois, distanciado e céptico, ao desenrolar frenético mas enfadonho da interminável série de peripécias e contraditas em que os ‘media’ nos têm enredado, deste deplorável espectáculo com que nos pretendem – e têm-no conseguido! – entreter. Desviando-nos a atenção de questões bem mais sensíveis e relevantes na vida das pessoas, essas sim a merecerem inadiável debate público.
De entre os temas que melhor o exemplificam, há um que, mais uma vez, corre o risco de ser submergido pela leva de notícias em voga. Refiro-me, naturalmente, às alterações climáticas, cuja importância soçobra claramente perante a avalanche dos temas que vendem. A esse, cuja actualidade exige um debate quase permanente e cuja oportunidade, a 15 dias do início da Conferência de Copenhaga, o torna particularmente urgente, os ‘media’ têm dedicado apenas o tempo e o espaço para onde são empurrados pelo material noticioso que lhes cai nas redacções. Apenas para que se não diga terem-no completamente esquecido.
Mas o enquadramento ideológico que dita a valorização das escutas (até ao paroxismo mais absurdo) sobre a dimensão das alterações climáticas, é o mesmo que conduz à banalização dos efeitos de uma crise que alguns dão já em tempo de rescaldo. E, para a ultrapassar, ao desvelo na insistência no desgastado modelo de desenvolvimento que a ela conduziu, assente num insustentável crescimento económico como grande objectivo político e num pouco virtuoso modelo exportador como único modo de aí chegar. Argumenta-se que a isso obriga – e talvez com razão – as ‘leis’ da globalização. Mas isso não impede de lhe diagnosticarem a falência e de se pensar nas alternativas que se irão colocar (pelo menos) a prazo, de se discutir o futuro do ‘emprego’ (pois o emprego parece já não ter futuro), de se repensar o papel do Estado para além das funções de regulação que lhe reserva o pensamento neoliberal na origem da crise. Porque o essencial da crise não resultou dos desvios de carácter ou quaisquer perversões dos seus agentes!
Inquietante, sem dúvida, o recrudescer das corporações, neste serôdio corporativismo que parece finalmente instituído. Em que se encontram empenhados jornalistas e operadores da justiça, mas onde não faltam também os operadores da saúde, os da educação,... todos apostados em fazer valer os seus pontos de vista particulares sobre o geral, os seus interesses de ‘classe’ sobre os deveres profissionais – ou, no mínimo, confundindo-os. Em lugar de se extinguirem as velhas ‘ordens’, multiplicam-se as ‘pró-ordens’, sintoma pouco saudável deste revivalismo corporativo a destempo.
Sintomas pouco saudáveis de um país posto em transe para proveito de uns poucos – tanto os de bom como os de mau ‘carácter’! E, acrescente-se o bónus, seu supremo gáudio!
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