‘O crash de 2010’!
O fim do Verão e este início ensolarado e quase tropical de um Outono que tarda, trouxe interessantes novidades editoriais, seja as relacionadas com a interminável crise económica (que ameaça eternizar-se), ou as que respeitam à consolidada teoria da evolução (no ano em que se comemoram os 200 anos do nascimento de Darwin e os 150 da publicação da ‘Origem das espécies’). Mas entre Krugman (‘A consciência de um liberal’) ou R. Dawkins (‘O espectáculo da vida’), prefiro aqui trazer o espanhol Santiago Niño Becerra, que acaba de ver editado em português o seu enigmático (ou provocatório?) ‘O crash de 2010’.
Independentemente do tom premonitório do título – pois o mais relevante não é saber se a crise sistémica de que o autor fala vai mesmo acontecer, com uma precisão que roça a ‘convicção profética’, no Verão de 2010 (!!!) – importa aqui destacar alguns aspectos que a leitura deste livro suscita. Desde logo, que se trata de uma perspectiva diferente de quantas têm abordado a actual crise e as suas consequências ou saídas. O autor situa-se no que se pode designar de ‘keinesianismo de esquerda’, até nas referências teóricas que adopta (J. K. Galbraith e Joan Robinson), o que talvez explique a firmeza e a convicção que coloca tanto na caracterização da crise (trata-se de uma crise sistémica e não de mais uma crise cíclica), como no seu previsível desfecho (que só pode ser um novo modo de produção, com a mudança da ‘forma como as coisas são feitas’) – ao contrário dos denominados neo-keinesianos, empenhados em demonstrar a suficiência das tradicionais receitas públicas aplicadas em anteriores crises.
Neste contexto são especialmente significativas duas passagens do livro. A primeira diz respeito ao que o autor designa por ‘bluff irlandês’ – e já se percebeu a que se refere! Durante os últimos 20 anos apontado como um exemplo a seguir pela cartilha neoliberal, os episódios da crise tiveram o mérito de pôr a nu o verdadeiro milagre irlandês, ao transformarem em pesadelo aquilo que era propagandeado como um sonho – sonho para uns poucos, é certo, que não para os milhares de desempregados, submersos no endividamento para onde foram arrastados (atraídos?) pelo hiperconsumo, precisamente dois dos três pilares em que assenta este capitalismo tardio (o terceiro é, segundo o autor, o desmesurado crescimento do terciário). Os resultados do modelo irlandês do ‘boom’ (atracção do investimento externo por via fiscal), acabaram por, mais uma vez, demonstrar como a economia de um país pode ser usada apenas como plataforma de ganhos alheios sem retorno significativo para os respectivos cidadãos.
E adianta: ‘A crise das hipotecas de alto risco, ou subprime, os níveis descontrolados a que se deixou chegar a economia financeira, os montantes da dívida privada já incomportável a todos os níveis, a crescente produtividade que já está a tornar excedentários amplos colectivos humanos, os progressos de uma tecnologia cada vez mais eficiente não são mais do que manifestações do esgotamento do sistema’.
O que se prende com o segundo aspecto a destacar. De acordo com o autor, ‘o capitalismo nasceu com o germe que lhe permitiu desenvolver-se, alcançar os níveis de crescimento que conseguiu, mas, por sua vez, constitui a semente do seu esgotamento e da sua destruição.(...) o capitalismo exige uma expansão constante, que, obviamente, não é possível.’ Fisicamente, sublinhe-se. Pois ainda que relevando do óbvio, tende a ignorar-se o aspecto que cada vez mais importa evidenciar, o que o leva a concluir: ‘O crescimento do planeta tem-se baseado na convicção de que gastar de tudo, sem limite, era possível e inclusive necessário (...). Foi possível porque esse estado de bem-estar, esse ir mais além, nos fez crer que com as nossas criações, a nossa tecnologia e o nosso engenho financeiro seria possível compensar qualquer desequilíbrio. Contudo, quando a dívida se tornou fisicamente insustentável e a capacidade de absorver bens de consumo se esgotou, o nosso sistema deparou-se com uma crise.’
Resta saber se a actual crise acaba mesmo em ‘crash’, como assegura a premonição de Santiago Becerra. E se o seu desfecho se traduz num novo modo de produção.
Há muitas questões que persistem sem resposta nesta descrição do sistema a caminho da catástrofe. Por exemplo, em que é que se traduz o germe (ou pulsão) que sustenta o capitalismo, mas que o irá levar à autodestruição. Limites, naturalmente, da própria concepção ideológica do autor – ou da sua recusa em aceitar conceitos decretados como ‘malditos’. Não obstante, pois, serem questionáveis alguns dos pressupostos em que assenta a narrativa, não deixa de ser interessante percorrer as páginas deste livro e confirmar que, afinal, por diferentes vias e processos, há muita gente a confluir numa conclusão básica: a mudança deste sistema impõe-se como uma medida profilática em nome do progresso – ou tão só da sobrevivência do homem.
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