‘Tempos interessantes’ é o sugestivo título de um livro ainda recente de Eric Hobsbawm, dedicado a uma incursão intimista do autor ao longo do século XX, um tempo de grandes acontecimentos e transformações sociais. Longe a pretensão de estabelecer qualquer paralelo entre a narrativa do eminente historiador e os comentários aqui expostos. Simplesmente considero, não por consolidadas razões históricas de tramas e dramas, mas pelas enredadas teias a que se amarra actualmente o futuro incerto das sociedades, que se avizinham tempos deveras interessantes. Em termos de peripécias e dos seus efeitos. A nível global.
Limito-me a pontuar episódios, a respigar indícios, a destacar incógnitas. A começar pela política doméstica, onde será interessante acompanhar o comportamento da nova geometria partidária, sem maiorias absolutas, o centrão em declínio e a correspondente ascensão das denominadas ‘franjas’. Do poder absoluto de Sócrates ao (forçadamente) poder partilhado de... Sócrates, agora de ‘espírito aberto’ e pronto para o ‘diálogo’. Não o diálogo baseado em princípios, como pretendia ser o de Guterres, obrigado a ele também por força das circunstâncias (e por força disso exposto ao pântano), mas o diálogo assente no pragmatismo, que parece ser o grande princípio ideológico que o anima na pretensão de conservar o poder (a qualquer preço?).
E já com as eleições presidenciais por perto! Aqui será imensamente interessante ver como é que, Sócrates e Cavaco, vão gerir a hipertensa relação saída das eleições (para além dos antecedentes, ainda por aclarar), com o primeiro a ver-se obrigado a ‘apear’ o segundo da Presidência, não por razões de decência mútua (bastaria para isso o episódio do ‘e-mail’), mas pelo risco permanente de um Cavaco ressabiado e, já se percebeu, disposto a tudo. Nessa emergência, resta a Sócrates as alianças à esquerda. A quem recorrer, então? Ao ‘querido inimigo interno’ Alegre?
‘Interessante’, seguramente, será também seguir o percurso das oposições. À direita, após uma pírrica vitória de Rangel nas europeias, o PSD enredou-se em tramas e ilusões, colou-se à oca e chocha estratégia do Presidente das ‘escutas’, curando que lhe bastaria zurzir o nome de Sócrates e agitar vagos sintomas de apneia política para recuperar o poder. Resta saber, por agora, quem é que o vai tirar do estado catatónico em que se abate, alijando-o, na passada, da esfiapada ganga cavaquista. Já o PP, claro beneficiário de tão suicida atitude, espreita – e aproveita (até quando?) – a oportunidade desse vazio ideológico. Desdobrando-se em bravatas e desafios, alardeando uma tão cínica quanto propagandeada humildade, ao pragmatismo ideológico de Sócrates contrapõe o seu próprio pragmatismo populista (e justiceiro), bem à imagem do seu frenético líder (ao pretender arremedar o Batman, acabou clonado de Pinguim). Será então desta que surgirá (e de onde?) o sempre adiado projecto do ‘grande’ partido liberal, ou melhor, neo-liberal?
Não menos ‘interessantes’ se apresentam as perspectivas à esquerda, reforçada – e clarificada – pela recomposição parlamentar pós-eleitoral, escandalosa à luz da bitola europeia (?) do politicamente correcto. Resta, pois, saber ‘o que fazer com estes votos’: se o seu peso se esgota, como até aqui, na aritmética dos números, ou se será possível convertê-los em opções políticas comuns. Sem perda de identidade das três tendências que dela se reclamam, apenas abdicando de dogmas e preconceitos. Sintomático – e bem interessante – observar que até o proscrito marxismo, não obstante as resistências subliminares e ataques acéfalos, voltou a ser invocado para explicar realidades doutro modo inexplicáveis. As mais das vezes, é verdade, por interpostos discípulos.
Preocupante – e sem dúvida menos interessante – a realidade vivida, essa que permanece acima de todos os jogos de poder. É que a realidade, mesmo para além d’a crise que até se diz que já não é’ (!!!), faz-se de uma imensa soma de problemas: dos que exigem intervenção imediata (o desemprego imparável, a avassaladora precariedade laboral, as alterações climáticas,...), aos que obrigam a opções colectivas estratégicas. Opções que vão da afirmação da primazia do interesse público sobre os interesses privados (a nível dos serviços e recursos básicos: saúde, educação,...; água, energia,...), à construção de alternativas a ‘este’ esgotado modelo de desenvolvimento (termo do crescimento contínuo, exaustão dos recursos naturais, ‘crise’ do trabalho assalariado,...), em suma, ao questionamento deste nosso insustentável modo de vida que urge alterar – em troca do acentuado declive no sentido da autodestruição, de que as agressões ambientais são, por enquanto, apenas uma das faces mais visíveis.
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