A contagem dos resultados das eleições legislativas trouxe-nos, como de costume, uma noite de sorrisos. Sorrisos amarelos, é verdade, e de variadas tonalidades, ainda assim, sorrisos. Do amarelo canário ao amarelo torrado, todos os partidos se muniram do plástico sorriso das múltiplas vitórias com que os respectivos líderes afivelam o rosto para se explicarem perante o eleitorado – sobretudo o que neles confiou, atribuindo-lhes o seu voto.
Sorriu o PS, que foi o vencedor. Além de ter sido o partido mais votado, venceu ainda as muito baixas expectativas nele depositadas, pois ainda há pouco mais de 15 dias era dado como irremediável derrotado perante a onda crescente de vitória que animava os barões das hostes ‘laranja’, convencidos de que, para o conseguirem, bastava agitar o mal-afamado nome de Sócrates, o de todos os furacões (políticos e pessoais). Mas perdeu a maioria no Parlamento e agora está condenado a arranjos e entendimentos com aqueles desditados partidos não bafejados, como ele, pela fortuna das certezas reveladas, o que não se quadra bem com a matriz política dos últimos 4 anos, muito menos com o perfil autocrático do seu tão amado quanto odiado líder! Sorriso amarelo desmaiado, a pender para o contido desdém.
Sorriu o CDS que, de acordo com o seu líder Paulo Portas, conseguiu atingir os ‘5 objectivos 5’ a que se tinha proposto, incluindo o de se tornar na terceira força do Parlamento, à frente da extrema-esquerda (nas suas próprias palavras). E o de ter alcançado, ao fim de 26 anos (?), uma tão surpreendente quanto cabalística votação de dois dígitos (???). Portas não quis explicar que tal sucesso foi obtido à custa do seu parceiro natural de coligação, que assim lhe ‘foge’ ao aconchego do poder partilhado e, a médio prazo, não segura um resultado que só a inabilidade ‘laranja’ explica – na mesma proporção, aliás, da sua arrebatada demagogia e populismo. Ou adiantar como é que pensa, no imediato e nas actuais circunstâncias, convencer a ala esquerda do PS a aceitá-lo, sem defecções graves (num e noutro). É certo que o obsessivo objectivo do PP (a sigla do partido confunde-se com a do líder) é sobretudo lutar por um lugar no poder, tendo, para isso, há muito abdicado da ideologia e se munido de um pragmático calculismo político de raiz neoliberal. Ainda assim o sorriso amarelo com que se apresentou na ribalta da noite eleitoral aproxima-o bem das suas cores, o amarelo canário.
Sorriu o Bloco, que duplicou a sua representação parlamentar e viu aumentada de forma significativa a representatividade do seu original projecto político no espectro partidário (ultrapassando o granítico PCP) e a credibilidade social das suas propostas. Mas não passou a terceira força parlamentar, defraudando as expectativas criadas. Conjugado com a fraca vitória do PS, também o seu peso político específico se viu desvalorizado pela aritmética eleitoral (o único a tê-lo é o CDS, precisamente a emergente terceira força parlamentar). Mas imagino o alívio de muita gente do Bloco perante este (inesperado) desfecho da noite eleitoral, pois isto significa a manutenção do ‘confortável’ estatuto de partido de protesto, ao menos pelos 4 próximos anos, sem dele depender a obrigação de uma ‘solução governativa estável’, a que se exporia perante a opinião pública no caso de a sua representação vir a fazer maioria com a do PS. Nem a falsa prosápia de Louçã ao anunciar, a despropósito (!), o afastamento da Ministra da Educação (?) consegue ser, à esquerda, o contraponto da falsa humildade reclamada pelo PP na hora de cantar vitória. Sorriso amarelo, portanto, mas se aqui o amarelo também se aproxima do canário, deve-se mais ao realismo das cores do que às propriedades canoras com que o seu propositor as pinta.
Sorriu, a medo, o PCP/CDU, perante a subida de votos e de parlamentares, ainda que desfeito o sonho de uma avalanche eleitoral equivalente à mobilização que consegue nas ruas e em instituições onde a sua presença continua a impor-se de forma determinante. Porventura tão responsáveis pelo erro de cálculo como pelo afastamento dos eleitores. Porque já contará pouco para a aritmética da composição governativa central, da noite eleitoral ficou a promessa de ‘desforra’ já na próxima disputa autárquica. Onde a sua implantação parece tão granítica quanto a sua imagem. Sorriso amarelo, pois, de um amarelo esverdeado, de um verde mais de despeito que de esperança (ou até da sua ‘componente’ ambiental).
Sorriu, enfim, o PSD, pois até os esgares que os principais líderes laranjas afivelaram à medida que iam sendo conhecidos os resultados, dando-o completamente arredado do poder, podem ser tidos como sorrisos. Sorrisos amarelos como os demais – quase tisnados de tão torrados – o certo é que o partido subiu em percentagem e representação parlamentar relativamente à hecatombe das anteriores eleições disputadas pelo Santana. Desta vez, porém, tendo tudo para as ganhar, só a incompetência política própria, a sôfrega ânsia de abocanharem o poder, o venenoso apoio de Cavaco (o beijo da morte?) e a manifesta falta de jeito podem explicar este desaire. Perante tão exangue estafermo, não admira que abutres oportunistas lhe tenham vindo morder as canelas, exaurindo-o ainda mais do magro pecúlio arrecadado e afastando-o da mesa do banquete do poder a que tanto porfiava. Ainda não foi desta que o PSD morreu, mas o cavaquismo, esse, entrou em putrefacção. Tem o que merece.
A realidade, essa, é que não tem razões para sorrir. No fim de contas talvez seja mesmo a única que não sorri. Falo da realidade vivida, não obstante as dificuldades que se antevêem para a eleitoral, face aos resultados de cada formação partidária – e às anunciadas fabulosas revelações (?) de um farisaico e cada vez mais acossado Cavaco, desta feita armado em pindérico defensor de serôdias matronas. Mas o que verdadeiramente irá estar em causa nos próximos tempos pouco terá a ver com estas calculistas contabilidades. A crise – em todas as suas dimensões – de forma alguma se compadece com essas 'minudências'.
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