A RTP2 voltou a transmitir, na sexta-feira passada, um documentário sobre o colapso ocorrido, após centenas de anos de prosperidade, na polinésica Ilha da Páscoa, a mesma que Jared Diamond, num trabalho de 2005 recentemente editado em Portugal – precisamente intitulado ‘Colapso’ – considera uma metáfora do que pode estar para acontecer à Humanidade, caso não consigamos travar a tempo o processo de destruição acelerada dos recursos naturais do planeta. Processo que começa a manifestar sinais cada vez mais preocupantes de exaustão, que importa saber interpretar, por forma a evitar atingir-se a irreversível situação de colapso. Como os que a presente crise pôs em evidência – mas aos quais ninguém parece dar muita atenção.
É por isso que se torna absolutamente essencial enquadrar os problemas que mais preocupam e pesam na vida das pessoas – a pobreza, o desemprego, as desigualdades, a injustiça,... – no modelo de organização social responsável por tal situação, onde a prosperidade, muito desigualmente repartida, assenta na predação irrestrita de recursos limitados. Nunca como agora o mundo se viu confrontado com tamanho desafio, não obstante a aparente generalizada inconsciência dos riscos que se correm se entretanto nada for feito. Aqui e ali soam alertas, logo ignorados, mas que, se escutados, nos ajudariam a perspectivar melhor a dimensão do problema: o mais recente, do Secretário-Geral da ONU, lança o dramático aviso de que ‘o mundo caminha para o abismo’!
Neste momento a ninguém passará pela cabeça, muito menos em período eleitoral, advogar travar o processo de crescimento económico que a ele conduz, até pelos efeitos induzidos numa das áreas que mais afecta as pessoas, a luta contra o desemprego. Mas não se afigura incompatível apostar, nesta conjuntura, nos temas ‘quentes’ da actualidade e, em simultâneo, nos que, mais estratégicos, irão moldar o futuro. Nesse sentido, apenas se ouviu Joana Amaral Dias, à margem da campanha, falar da necessidade de se construir um novo modelo de sociedade, contrário ao ‘oferecido pela globalização’, implicando um novo paradigma social baseado na ‘justiça fiscal e na previdência social’, exigindo outras políticas de educação, saúde e justiça.
Nada de novo, é certo. De uma forma ou de outra, este é um tema recorrente na esquerda, pode até ser considerado como a referência que, de algum modo, a separa da direita – a oposição entre a estabilidade social (a defesa do ‘status quo’), em contraponto com a mudança, por uma sociedade mais justa, mais igual, mais solidária – aquilo que a direita depreciativamente apelida de ‘utopia esquerdista’.
O programa do Bloco aposta claramente na mudança e a isso se refere com grande precisão e pormenor. Precisamente a exposição que o tornou vítima do aproveitamento demagógico dos opositores, variando entre a caricatura, irritante mas inofensiva e a acusação de um tenebroso ataque (ainda por cima escondido) às classes médias, em resultado da discussão em torno dos benefícios fiscais para onde foi arrastado, em detrimento da discussão da política fiscal global – como era oportuno que se fizesse. Talvez por isso valha a pena reflectir sobre a estratégia de comunicação adoptada, uma vez que o resultado obtido certamente não corresponde ao pretendido.
Ainda assim o programa do BE apresenta-se algo fragmentado (os temas do ambiente e da sustentabilidade são tratados como um capítulo à parte, em lugar de cruzarem todas as áreas), demasiado concentrado na preocupação pelo diagnóstico às políticas desenvolvidas pelo governo PS (a meu ver apenas indispensável como enquadramento), carecendo, porventura, de uma melhor definição da sua estratégia enquanto ‘alternativa socialista’ que pretende ser, face ao seu programa político imediato. Que se reflectiu em algumas ambiguidades e deu origem a outros tantos equívocos: o já referido programa fiscal, as nacionalizações, o tema da governabilidade,...
Sobre este último e o dilema actual do BE (manter o 'confortável' estatuto de partido de protesto, que lhe tem proporcionado notável sucesso, ou assumir as responsabilidades decorrentes do ‘respeitável’ patamar eleitoral já atingido): os resultados destas eleições podem bem confrontar um partido, até agora ‘apenas’ orientado para o exercício de funções críticas ‘externas’ ao sistema, com a exigência de uma prática pedagógica - inerente ao papel que um tal partido representa numa sociedade em mudança (em transição para onde?) - no desempenho de funções no seu ‘interior’ (executivas ou outras, mais cedo ou mais tarde terá de ser assumido).
A responsabilidade da transição de dois deputados (governo de Guterres) para duas dezenas (como se prevê agora), não se resume ‘apenas’ ao número.
Os números que Marques Mendes não mostrou
Há 7 horas
1 comentário:
Boa análise. De facto, há muito a explicar. E há uma notória má-fé dos adversários do BE em relação, por exemplo, à questão das nacionalizações.
Enviar um comentário