terça-feira, 20 de outubro de 2009

Maiorias de esquerda, governos de direita

Surgido na sequência dos resultados eleitorais para as legislativas, o ‘Compromisso à esquerda’, iniciativa protagonizada por André Freire (e outros), apela a que os 3 partidos da esquerda parlamentar pós-eleições procurem entendimentos no sentido de ‘se encontrar uma solução estável de Governo’. Gesto simbólico, é certo, sem qualquer hipótese de sucesso face às declarações prévias dos partidos visados, o suficiente, no entanto, para desencadear, no meio da indiferença e bonomia gerais com que foi acolhido, algumas curiosas reacções. Mas também com o mérito e a utilidade de confrontar os responsáveis desses partidos com a realidade sociológica do País, pois a opinião pública de esquerda menos comprometida com os aparelhos partidários, não entende a incapacidade dos políticos em tentarem aproximar-se – e associar-se – num conjunto alargado de domínios, do político ao social, do económico ao cultural.

Importa, antes de mais, esclarecer que se tal experiência nunca foi tentada – e não se vêem condições de, tão próximo, o vir a ser – isso se deve, por um lado, à prática histórica do PS na governação e aos compromissos, sobretudo económicos, em que se enreda (ou a que se submete, não raro para proveito pessoal dos seus próprios interventores), por outro, à intransigência (dogmática? sectária? simplesmente de princípio?) dos outros dois partidos, pela incapacidade em transformarem propósitos em política. Mas deve acrescentar-se que, tão errado como qualificar estes últimos de expressões de um extremismo serôdio e irrealista, o é igualmente reduzir o PS a partido de direita, desprezando o sentido da sua base social de apoio, pelo facto de os seus governos se terem resumido a pouco mais que uma gestão (sofrível) de um sistema que, do ponto de vista de esquerda, deve ser transformado.

Uma coisa, porém, parece certa: no meio dos jogos de poder, o país real acaba sempre muito maltratado. Prova disso, para além do essencial – e o essencial são as dificuldades vividas em resultado de uma sociedade cada vez mais desigual – o crescente alheamento político das pessoas e o seu maior distanciamento dos eleitos para as representarem, como se depreende da desilusão que os eleitores manifestam (de diversos modos) quando chamados a pronunciar-se em actos eleitorais, não obstante todas as manipulações, propagandísticas ou outras, de que são alvo (incluindo a transformação/deformação da política numa espécie de ‘clubite’ partidária, à margem das ideias e dos programas).

No ponto em que se encontram as ‘coisas’ à esquerda e nas actuais condições de regresso à sobranceria neo-liberal, já nada há a esperar. A realidade – a vida, como diria o ‘outro’ – se encarregará, então, de ditar o ritmo e o momento do rumo que tais ‘coisas’ irão tomar. Será o caso do invocado óbice do ministro Amado (e outros), ao afirmar a impossibilidade de o PS estabelecer qualquer aliança (fosse qual fosse a sua natureza e profundidade) com o BE e o PCP, dadas as conhecidas posições destes no domínio da política externa, nomeadamente quanto à proposta de saída da NATO (que ambos propõem) e às reticências na integração na UE (menores, no caso do Bloco). Mas bastaria que tais matérias (e outras) ficassem fora de um eventual acordo! O futuro – a realidade vivida – ditaria a razão nos casos polémicos.

Subsiste ainda, no dizer de alguns, o sinal negativo que deste modo se transmitia aos mercados internacionais (!). Tanto melhor se assim fosse. Haveria oportunidade para se começar a fazer uma selecção dos apoios (incluindo o dos famigerados ‘capitais externos’) que mais interessa captar, excluindo os que apenas apostam nas habituais condições de competitividade do País (leia-se baixos salários) ou que pretendem tão só prolongar os laços de domínio e a exploração de recursos (humanos e naturais).

Para já, perante um Parlamento que não domina e sem a confiança de Cavaco, como se irá comportar a, a todos os títulos, salutar experiência de um governo minoritário do PS? Com quem virá, afinal, a estabelecer os entendimentos necessários à governação?

E, neste contexto, o que nos reservam as presidenciais ? Até onde conseguirão elas ‘forçar’ a realidade?

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