Não certamente por embirração ou impertinente fixação, de quando em vez tropeço na personagem. Sintetiza, na perfeição, o pensamento corrente dominante, ao reproduzir, de forma acrítica, a vulgata neoliberal (que verbaliza através das mais desgastadas expressões). Qualquer desvio a este fio de rumo, provoca-lhe mesmo um constrangedor desdém, extrai-lhe sorrisos de altivo desprezo, como que traduzindo a sua percepção do óbvio: ‘só não vê quem, por sectarismo ou ignorância, não quer ver’!!!
Já não é, portanto, a primeira vez que aqui me refiro a Estela Barbot (pois é dela que se trata), personagem da nossa ‘socialite’ (como agora se designa!!!) e lugar cativo nos ‘media’, onde de novo fui esbarrar com ela (no programa ‘Contas à Vida’, na TVI24). Desta feita, porém, passou das habituais – e banais – trivialidades (debitadas a propósito de tudo não dizendo nada), às mais delirantes boçalidades, ao atrever-se, de forma leviana, por territórios (literalmente) inexplorados mas muito sensíveis.
Foi o caso da dita criatura haver participado (desconheço em que qualidade) na última reunião da Trilateral (grupo de Bilderberg), em Oslo, cujo representante luso (entre outros insuspeitos frequentadores, alguns deles socialistas!) é o ex-ministro Braga de Macedo, também presente nesse programa (onde é convidado residente, juntamente com Pina Moura). De lá trouxe a informação – e a volúpia dos pormenores – de que, com o degelo do Árctico, prestes a consumar-se, abrem-se novas e promissoras áreas de actividade, ‘é todo um mundo de oportunidades para novos negócios’.
Com o Árctico navegável, acrescentou, as novas rotas abertas pelos transportes marítimos permitirão poupanças consideráveis, em tempo e combustível (já existe até uma estimativa dos custos ‘arrecadados’). Para já não falar das novas possibilidades no domínio da exploração petrolífera, em jazidas já identificadas, deste modo tornadas acessíveis... Enfim, um autêntico maná para o ‘business’, que já discute direitos de exploração e de soberania, ‘uma espécie do que virá a suceder com a Lua, no futuro’, logrou gracejar a Barbot.
Diante de tão inconsciente desaforo, Pina Moura objectou a reserva óbvia (porventura, remexendo no fundo das suas há muito sumidas convicções de esquerda, apelando a algum resquício de dignidade): ‘e os efeitos climáticos, já foram estimados?’. Efeitos climáticos? Mas perante tamanha fortuna, alguém estará interessado em perder tempo com tão esquerdizantes minudências, que só servem para atrapalhar e desviar a atenção do essencial – a expectativa de chorudos negócios – o que releva do ‘simples bom senso’, assim explicava a Barbot?
Perante a inevitabilidade do facto consumado – e o reconfortante cenário de um novo impulso económico – quem é que, no mundo de hoje, pára para avaliar os efeitos que a destruição da calota polar e consequente eliminação do efeito reflector solar (efeito de albedo) provocará, pela absorção de mais calor por parte do mar, no clima da Terra? Ou nas consequências imprevisíveis da alteração das correntes marítimas, por influência da circulação termohalina dos oceanos, com impacto determinante no clima e, por arrastamento, nos ecossistemas marítimos e terrestres, ou seja, nos recursos e na capacidade alimentar do planeta? E estes são apenas os efeitos directos imediatos!
Enquanto alguns ainda se afadigam em tentar evitar o pior dos cenários (incluindo soluções no mínimo engenhosas, mas de duvidosa eficácia), o ‘bom senso’ de outros leva-os já a antecipar, babados – e criminosamente inconscientes! –, o momento da concretização dos cúpidos negócios em perspectiva. Certo é que os efeitos gravosos incorporados no ‘bom senso’ actual da Barbot só se farão sentir de forma acentuada (alguns sinais são já visíveis, ainda assim pouco assustadores) algures no futuro, previsivelmente apenas daqui a um bom par de anos. E é isso que, para todas as Barbots (eles e elas), faz toda a diferença! ‘Quem vier a seguir que feche a porta’, chalacearão eles em tom de desafio.
Lastimo o Metelo metido nisto. No fim de contas e pensando bem..., nem isso!
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