Pela natureza dos indícios observados, a crise em que actualmente o mundo se encontra mergulhado (sem fim à vista, note-se), parece então apontar para bem mais longe do que um temporário desequilíbrio dos mercados, habitualmente destinado a ser resolvido e ultrapassado através de um suposto processo de auto-correcção. Mas se a crise apresenta contornos de poder vir a ser mais duradoura do que o esperado, é desejável – e possível – procurar detectar, nos acontecimentos que a tornam evidente, as principais tendências que se desenham no horizonte sobre alguns dos conceitos que estruturam e melhor caracterizam as sociedades actuais, como é o caso do trabalho (e dos conceitos subjacentes de emprego e desemprego) e tentar perceber a orientação básica neles contida. Insisto em Viviane Forrester e no seu ‘O Horror Económico’:
“Vivemos no meio de um logro magistral, de um mundo desaparecido que nos recusamos a reconhecer como tal, e que políticas artificiais pretendem perpetuar. Milhões de destinos são devassados e aniquilados por esse anacronismo, devido a estratagemas tenazes destinados a dar como imperecível o nosso tabu mais sagrado: o trabalho.
Desviado sob a forma perversa de ‘emprego’, o trabalho dá de facto fundamento à civilização ocidental, que domina por inteiro o planeta. Confunde-se com ela (...). Ora esse trabalho (...) não passa já, nos dias que correm, de uma entidade destituída de substância.
Os nossos conceitos de trabalho, e portanto de desemprego, em volta dos quais se desenrola (ou finge desenrolar-se) a política, tornaram-se ilusórios (...).
Os problemas das deslocalizações e da invasão de produtos muito baratos vindos do extremo oriente, resultam das leis do próprio capitalismo...num processo que conduzirá à sua própria auto-destruição.”
Quase ao mesmo tempo – já lá vai mais de uma dúzia de anos! – do outro lado do Atlântico, Jeremy Rifkin, autor do livro “O Fim do Emprego” (1995) e considerado um dos 150 pensadores que mais influenciam a política dos Estados Unidos, alertava:
"Estamos a entrar numa nova era de mercados globais e de produção automatizada. O caminho para uma economia quase sem trabalhadores está à vista. Se este caminho conduz a um porto seguro ou a um terrível abismo, dependerá da forma como a civilização se preparar para a era pós-mercado que virá logo após a terceira revolução industrial. O fim do trabalho poderá significar a sentença de morte para a civilização, tal como a conhecemos. O fim do trabalho poderá também assinalar uma grande transformação social, um renascimento do espírito humano. O futuro está nas nossas mãos".
Mas mesmo que ‘esta’ crise venha a desembocar na habitual inversão dos indicadores económicos e que o capitalismo recupere de mais este abanão, tratar-se-á sempre de um desfecho provisório, à espera de uma outra solução estrutural e onde inevitavelmente se incluirá este último aviso de Viviane Forrester:
“O trabalho da máquina tem hoje um tal peso na produção que não pode continuar exclusivamente em mãos privadas.”
Fim das citações e dos comentários,... por agora. Fiquemo-nos então, provisoriamente, por aqui.
4 comentários:
Meu caro.
Os meus parabéns pela excelência da reflexão. Temos, rápidamente e aqui no Blogue, que criar as condições (i.e. : aprender )a colocá-las em "destaque(s)".
"o horror económico" foi um título que também me chamou a atenção há uns anos atrás e comprei o livro sem nunca ter chegado a lê-lo. A sua "posta" renova-me o interesse. Nesta reflexão sobre o trabalho corremos o risco de sermos encarados como irresponsáveis desleixados, apologistas da preguiça, daqueles que não querem fazer nenhum! No entanto, de facto, esta luta brutal pela sobrevivência para que poucos acumulem colossais fortunas que está a dar cabo disto tudo!
A este propósito, ofereceram-me um livro que a princípio não levei muito a sério, mas que é uma descontraída e espirituosa história do ócio vs trabalho que recomendo.
Chama-se "Os Prazers do Ócio" de Tom Hodgkinson"
O prefácio começa assim:
«É bom ser ocioso. Este livro tem dois objectivos: celebrar a preguiça e atacar a cultura do trabalho do mundo ocidental, que escravizou, desmoralizou e deprimiu tantos de nós.»
A sério, vale a pena lê-lo!
Caro José M. Sousa
Em certo sentido também foi isso que me aconteceu. Trata-se de um título ‘repescado’ da prateleira, onde jazia há vários anos e que se afigura não ter perdido actualidade, antes pelo contrário.
Pareceu-me oportuno trazê-lo aqui, agora, a propósito de uma intervenção do Sócrates - mas que já nem preciso bem qual foi (só sei que me deu o mote).
É claro que o risco ao tratar este tema, a partir desta perspectiva é mesmo esse que diz, o de se gerarem vários equívocos, o menor dos quais até será o de podermos ser considerados adeptos da preguiça, irresponsáveis sociais...
Entretanto, a explicação complementar que comecei a preparar começou a ficar tão longa que o espaço, aqui, deixou de ser apropriado, pelo que entendi melhor passá-la a texto a inserir no corpo do ‘blog’.
Agradecido, para já, pela dica do livro "Os prazeres do ócio", de que tinha referências, mas que não li nem adquiri (estou a ponderar fazê-lo agora).
Caro Borges de Sousa,
Obrigado pelos sempre amáveis elogios (que, naturalmente, vão sobretudo para os autores dos livros citados).
Já agora: o que é isso dos 'destaques'?
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