terça-feira, 10 de junho de 2008

É possível uma alternativa ao mercado? (1)

O vírus do mercado

Prometo não voltar ao mercado nos tempos mais próximos. Permitam-me apenas esclarecer uma ideia que pode ter ficado um pouco em suspenso nos 6 comentários feitos a propósito do encontro ‘Agora Aqui’.
A crítica ao mercado defronta-se, inevitavelmente, com a questão da sua alternativa. No entanto, falar de modelo alternativo ao mercado não é fácil nem muito consistente. Até pelo facto de ser impossível, de momento, identificar concretamente o seu centro de decisão.
O mercado, hoje, por efeito da globalização liberal e opção ideológica dos estados, transformou-se numa espécie tentacular à solta pelo planeta, de difícil caracterização e que escapa ao controle político (como devia acontecer se os princípios democráticos fossem a regra nas... democracias). Que, por definição (é esse o seu código genético e a justificação dos seus pressurosos defensores), serve sempre os fortes e poderosos – que a teoria identifica com os mais capazes – e prejudica os mais débeis e humildes – os menos dotados e capazes, portanto.
O que está a acontecer com a actual crise do petróleo é, deste ponto de vista, paradigmático. Quando se pergunta de quem é a responsabilidade por esta imparável escalada dos preços (muito para além do que algumas causas objectivas podem explicar), a resposta parece simples: é a especulação. Mas quando se pretende concretizar a resposta, o caso muda de figura: onde é que estão os especuladores, quem os identifica? Os próprios EUA, principais mentores deste sistema, declaram-se impotentes para a controlar. A criatura foge ao controle do criador. Frankenstein anda à solta e cada vez mais poderoso...

A melhor imagem que me ocorre para tentar explicar o que o mercado me sugere é a que o equipara a um vírus (Samir Amin designa-o por ‘O vírus liberal’, título de uma obra sua). Foi-se desenvolvendo por oposição à realidade social, em selectas e bem financiadas tertúlias filosóficas (como a Societé Mont-Pèlerin), vertidas em prosélitas teorias entoando loas à liberdade (concorrência perfeita e equilíbrio geral por um lado, regulação espontânea e ordem amadurecida por outro), tomou conta das pessoas, infiltrou-se nos hábitos, entranhou-se nos comportamentos e agora é extremamente difícil vermo-nos livres dele. Não só porque nenhuma daquelas teorias tem expressão na realidade concreta, mas sobretudo pelos efeitos catastróficos que estamos a suportar na sequência da sua imprudente aplicação. Apenas sabemos que mata, que por este caminho nos vai levar à destruição, mas não dispomos do antídoto para o eliminarmos.
Uma vez que pode estar em causa a manutenção do nosso estilo de vida, quem verdadeiramente estará disposto a prescindir dele, por mais modesto que este seja? Quem admite, por exemplo, prescindir do automóvel, esse supremo símbolo de toda uma civilização, ou de outra regalias semelhantes, em nome de um futuro sustentável? A menos que a isso sejam forçados, pelas catástrofes naturais cada vez mais prováveis ou por quaisquer políticas de cariz mais autoritário (hoje difíceis de aceitar ou mesmo imaginar), seguramente ninguém parece disposto a abdicar das suas pequenas comodidades.
Tal como no vírus da SIDA, sabe-se que mata, mas estarão as denominadas classes de risco dispostas a renunciar ao seu estilo de vida e aos prazeres associados para o evitar?
(...)

4 comentários:

José M. Sousa disse...

Uma alternativa ao mercado,pelo menos de forma parcial (porque o mercado também terá as suas virtudes) podem ser os "comuns" (Commons,em inglês)

este é um sítio muito interessante sobre o tema.

Tende-se a desvalorizar a ideia dos Comuns invocando o problema levantado por um biólogo num artigo intitulado "A Tragédia dos Comuns": a ideia, basicamente, era a de que, sem a existência de direitos de propriedade, haveria uma tendência para a sobreexploração de um determinado recurso. Apesar desse problema existir, a solução não passa necessariamente pela privatização do recurso. O biólogo Jared Diamond abordou este assunto de forma muito interessante no seu livro "Colapso". A partilha do recurso pode ser feita de forma sustentável desde que haja confiança e diálogo. Tentarei escrever algo sobre isto no meu blog.

Carlos Borges Sousa disse...

Meu caro Amigo,
Não nos faça, sff, esta desfeita; i.e.: deixar de escrever/reflectir sobre o mercado.
Penso que, por cá e felizmente, muitos defensores do mercado já começam a questionar como é afinal possivel conciliar neoliberalismo e progresso social, uma vez que é manifesto o falhanço desta tarefa.
Por isso, e sem que tenhamos a "chave" para a solução deste problema há, pelo menos, que recusar e rejeitar o discurso dominante que aponta para a nossa impotência.
Há que, todos os dias, inventar e defender ideais; e, acima de tudo, não ficar em silêncio(s).
Assim, e sff, mais "postagens"; Tá?

Anónimo disse...

José M. Sousa,
É óbvio que não me passa pela cabeça pôr em causa o mercado, enquanto lugar onde se efectuam as trocas comerciais, mas sim o mercado enquanto centro de decisão política, enquanto critério absoluto de avaliação dos mais ínfimos actos da existência. A própria prova de vida é decretada por ele, pois se só existem valores de troca, só tem direito à existência o que pode ser trocado.
O mercado existe há milhares de anos, mas só com o capitalismo ele passou a comandar as nossas vidas. E mesmo neste sistema, nem sempre o seu domínio foi tão nítido como agora, em que as teorias neoliberais, em nome de vagos princípios de liberdade à mistura com a práxis da eficácia, passaram a controlar em absoluto a vida social e política do planeta.
É bem sabido que o retrocesso civilizacional a que se assistiu ao nível dos direitos sociais, vai hoje de par com os graves problemas provocados a nível ambiental e económico. A tarefa de demonstrar que ‘o rei vai nu’ não parece fácil, dada a imensa máquina de propaganda mediática montada, mas as crises têm pelo menos este efeito benéfico: põem as pessoas a pensar, pelo menos na forma de sair delas, o que as obriga a raciocinar no que as origina.
Fico então a aguardar o contributo sobre os ‘comuns’, pois confesso que, para além de algumas referências sobre o tema, ainda não tinha sentido suficiente curiosidade para o aprofundar. Embora me pareça que os efeitos deste tipo de movimentos serão sempre muito marginais no que toca à contestação política global do mercado enquanto centro de decisões. A menos que possa vir a constituir-se como embrião de qualquer outra coisa ainda em esboço...

Anónimo disse...

Meu caro Borges de Sousa,
É claro que não vou deixar de escrever sobre o mercado, até porque, em última análise e como já o mencionei por diversas vezes, tudo depende e se relaciona com ele. Mesmo que o quisesse seria difícil, ao menos indirectamente, não me referir a ele. Vou, sim, moderar a crítica e as referências directas, até para não ser acusado daquilo que eu próprio critico no liberalismo, a obsessão pelo mercado (ainda que de sinal contrário).