Recupero aqui, dado o interesse do tema e as referências recentes ao mesmo, um excerto de uma entrevista já com algumas semanas ao psiquiatra Luís Gamito, no DN. A propósito do uso de antidepressivos e do efeito placebo na medicação, o entrevistado responde assim à questão sobre se ‘a doença também se cria’:
“Há uns anos, uma comunicação num simpósio tinha como título A produção regular de doenças pelas faculdades de medicina, sendo que quem induz nas faculdades a necessidade de criar doenças é a indústria farmacêutica. ‘Tenho aqui uma coisa que é boa para isto e para aquilo’, logo, arranjem aí uma doença que tenha isto e aquilo. Já o paludismo é complicado, há pouca investigação porque quem deveria comprar medicamentos para o paludismo não tem dinheiro para os comprar, não vale a pena uma multinacional estar a investir numa coisa para pobrezinhos.”
Naturalmente estamos cansados de saber que as empresas, multinacionais ou não, só investem, ao longo de toda a cadeia produtiva, desde a investigação à industrialização, em produtos que lhes proporcionem rentabilidade assegurada. Nada mais óbvio de acordo com a lógica do sistema. Nem sequer nos passa pela cabeça ser de outro modo, as empresas são criadas para terem lucro, só justificam a sua existência se o conseguirem de uma forma sustentada e contínua. Caso contrário, vão à falência e desaparecem.
Mas então porque é que, no caso do paludismo (e de tantas outras endemias e demais anomalias...), sentimos uma certa incomodidade, um desconforto pela nossa impotência perante a condenação à morte de tantos milhares em nome do lucro? Pelo menos dá que pensar, não dá?
Claro, há sempre o recurso ao Estado para colmatar as designadas ‘falhas do mercado’. E aí aparece outra polémica: até onde deve (ou pode – depende do lugar e do nível da ‘polémica’) ir a ‘protecção’ do Estado?
Quando conseguiremos sair deste aparente círculo vicioso?
sábado, 21 de junho de 2008
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3 comentários:
Meu caro,
Quer queira, quer não queira lá está o mercado e/ou o "mercado" a emprestar fortes motivos de/para doutas reflexões como, e mais uma vez, é o caso desta "postagem".
Caro Borges de Sousa,
O problema é que as nossas sociedades (e toda a vida social) estão tão impregnadas pelo ‘ambiente de mercado’ como o ar que respiramos. Tudo se compra e tudo se vende, só existe mesmo o que puder ser reduzido a dinheiro. E tudo começa (‘A origem do mal’?), não nos esqueçamos, naquela célebre distinção entre valores de uso e valores de troca: hoje só contam os valores de troca, pelo que tudo o que não puder ser reduzido à troca, a dinheiro, não conta. Principal arauto desta distinção? Pois claro, o maldito, o execrando, o proscrito (fantasmagórico?) Marx, o Karl Marx.
Nem mais. Inteiramente de acordo.
E, assim e por isso, faça o favor, e sem dó e piedade, de continuar com as Suas reflexões, sempre mui pertinentes, sobre o mercado.
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