sábado, 25 de julho de 2009

As grandes obras públicas e os palpites dos economistas

Ultimamente, a propósito das grandes obras públicas, acentuou-se a tendência, na boa e salutar tradição lusa (sem qualquer ironia) de ‘cada cabeça sua sentença’, de todos e cada um dos economistas ditos de referência, se pronunciarem sobre a valia (mais a desvalia) de cada projecto, ou do ‘pacote’ no seu conjunto. E é assim que, por objectivas razões técnicas fundadas na estrita aplicação da ‘ciência’ económica, uns pronunciam-se a favor do aeroporto contra o TGV e as auto-estradas; por idênticas e muito objectivas razões técnicas de sólida base científica, outros, porém, sustentam, se necessário à custa de sofisticados modelos matemáticos, a razão do TGV (as duas linhas, uma só delas, há para todos os sabores!) sobre o aeroporto; entretanto, os mais radicais, com o infalível recurso aos mais comprovados argumentos técnicos, asseguram que o país não está em condições de se meter nestas coisas – ‘quem não tem dinheiro não tem vícios’, rematam com frequência! Tudo isto (e o seu contrário, se for necessário) em defesa do modelo liberalizante assente na restrição do déficit público, por contrapartida da promoção dos bens transaccionáveis (!) – para onde todos os argumentos, afinal, confluem, quase de forma papagueada – a invariável panaceia com que nos pretendem fazer crer tratar-se tudo isto de decisões meramente técnicas!

Perante tamanho rigor analítico na defesa de posições tão díspares, resta-me apenas registar a enorme confusão que tão abnegado empenho cívico suscita, sobretudo numa altura em que a teoria académica que tem inspirado estas doutas (pouco importa se contraditórias) versões, mais se encontra exposta à crítica por força da sua influência nos acontecimentos que produziram a profunda crise actual. E mais sensibilizado (e preocupado) fico quando leio um dos seus epígonos e mais destacados intérpretes pretender fundamentar asserções essencialmente políticas com base em extrapolações – elaboradas pelos mesmos instrumentos técnicos que tão rotundamente falharam na previsão da crise actual – para um horizonte de 10 anos!!!

Foi isso que fez Abel Mateus, ex-presidente da Autoridade da Concorrência, ex-administrador do BP e ex-mais uma série de cargos bem remunerados, ao afirmar, em entrevista ao Jornal de Negócios, que não encontra "nenhuma folga para grandes investimentos, nem hoje nem nos próximos dez anos" (!!!). “Fiz uma pequena estimativa do que isso implicaria, somando a dinâmica externa que existe actualmente com os grandes projectos de investimento: isso resultaria num endividamento externo de 240% do PIB em 2020" – !!!!! – para concluir que o próximo Governo enfrenta uma "situação bastante séria, sem paralelo na economia portuguesa", havendo o risco de Portugal ficar sem dinheiro, como a Islândia. Apesar disso e como não podia deixar de ser, sempre adianta um palpite sobre a ‘sua’ grande obra pública: a opção vai para o aeroporto contra o TGV e auto-estradas!

À parte as minudências destas contradições, apetece perguntar por onde andavam as receitas deste iluminado académico que agora até já sabe o que pode acontecer ao país daqui a 10 anos (!) se este não fizer aquilo que os seus cânones liberais ditam que deva ser feito!!! Com a mesma destreza (ou desfaçatez?) que agora utiliza nestas dramáticas projecções (com intuitos políticos bem claros, trata-se de destacado quadro do PSD), devia tê-lo feito já antes, a tempo de se evitar a crise! Ou adoptar o mesmo modelo desta sua ‘pequena estimativa’ e estender a projecção a outros países europeus, alguns até mais endividados que Portugal.

A pergunta que apetece mesmo formular, no final, é se algum destes empertigados e mediáticos fazedores de opinião, constantemente a debitarem sentenças sobre o que se deve ou não deve fazer, aparentemente tão preocupados com o futuro do país, por norma insistindo na receita do apertar do cinto dos outros, aceitará, por exemplo, reduzir os seus chorudos proventos mensais em, digamos, para metade – sabendo que mesmo assim ainda lhes restarão largos milhares de euros por... mês, bastante mais do que a grande maioria dos trabalhadores ganha num ano inteiro!
Não há pachorra!

1 comentário:

José M. Sousa disse...

Concordo inteiramente com esta crítica. No entanto, receio que a forma como o país tem vindo a ser governado - seja pelo PS, seja pelo PSD (não noto diferenças fundamentais!)-, ou seja, um país a saque - veja-se o escandaloso contrato da APL com a Liscont (é só ler o relatório do Tribunal de Contas), venho a colocar-nos numa situação muito complicada, eventualmente uma crise de liquidez. Esta crise internacional não é apenas financeira, está para durar e parece não haver nenhuma alteração fundamental na maneira de proceder na gestão do país.