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Prestes a desparecerem de cena. Prestes a emigrarem? |
Da austeridade ao rigor: as pessoas no lugar dos mercados?
A grande novidade nas eleições de
4 de Outubro foi a expressão clara de que a mudança exigida pelos eleitores não
se esgotava na mera e tradicional alternância de protagonistas no poder
político: rejeita a sua continuidade à direita que o detinha, mas
também não confia no PS para lho entregar sem condições. Assim, para além dos
protagonistas, os eleitores exigiram uma mudança de políticas, uma alternativa em lugar da alternância. É
este o contexto que permite explicar o acordo à esquerda agora celebrado, só
possível pela conjugação dos resultados dessas eleições: por um lado uma
votação no PS aquém das expectativas, por outro a forte representação do BE e a
resistência do PCP acabaram por impor dentro do próprio PS (até como forma de
sobrevivência política) a constituição de um governo com apoio parlamentar do
BE, PCP e PEV.
Embora a mudança política
que aqui se configura como alternativa
de esquerda à austeridade imposta pela direita seja intentada através de um
acordo visando não uma coligação mas ‘apenas’ o apoio parlamentar a um governo
do PS, isso em nada diminui o alcance que se pretende dele extrair no que é de
mais essencial a tal mudança – a reposição dos direitos do trabalho e a defesa do
Estado Social – ao mesmo tempo que garante maior coerência interna pelo facto
de ser constituído apenas por um só partido que, além do mais, não gera
resistências nas sensíveis (e pouco democráticas) instâncias europeias. Poder-se-ia
mesmo sintetizar a política do PS, para a Europa, pautada basicamente pelo
rigor orçamental e financeiro, em detrimento de uma política da austeridade
(visando a desvalorização do trabalho e a destruição do Estado Social). É,
pois, no contexto em que a austeridade dá lugar ao rigor, que
os ‘princípios orientadores’ que
enformam o acordo assumem maior importância face à sua concretização num
Programa de Governo e sobretudo nos OE anuais, garantindo a estabilidade e longevidade
que estes, sujeitos a actualizações periódicas, não podem, como é óbvio,
assegurar.
Assiste-se, entretanto, ao alardear
da verdadeira natureza política da
direita, na desesperada tentativa de vir a influenciar o exangue poder
presidencial – de quem, não obstante, depende a opção imediata a seguir. Percebe-se
que para a direita, a perda do poder que, directa ou indirectamente, sempre
havia detido (antes e depois do 25 de Abril) é uma ideia simplesmente insuportável,
a ameaça de uma alternativa política que afronta a sua tese do ‘não há
alternativa’ tornou-se-lhe intolerável. Daí a recusa em aceitar todas as
consequências dos resultados eleitorais e a enorme agitação que tem vindo a promover:
retirada a máscara da decência e dos formalismos democráticos, dos insultos
passou às ameaças e não tem pejo em apelar ao desvairado golpismo da mais
espúria proposta de revisão constitucional feita à medida dos seus interesses
imediatos… Neste momento a direita vive obcecada em desvalorizar o acordo (que
é frágil, pouco consistente, não fala da Europa…), cavalga todos os
extremismos, incluindo os apelos mais destemperados e antipatrióticos aos
mercados, agências de rating, UE... A reacção de indiferença dos invocados salvadores provocou o
desalento numa direita em perigoso desatino!
Para a esquerda, porém, esta
realidade nova representa um enorme desafio e o risco é avaliado pela percepção
das forças partidárias que o suportam em saberem dependente dele o futuro dos
respectivos projectos políticos. Mais que a assinatura do acordo, pois, a melhor
garantia do compromisso assumido e do empenhamento de todos os seus signatários
é, acima de tudo, a consciência de que, caso algo corra mal, os mais
penalizados serão os que incorrerem na quebra do acordado – como tem vindo a
ser bem destacado por muitos, incluindo os seus representantes. De algum modo é
nisso que a direita aposta: nas fricções que inevitavelmente hão-de surgir
entre as boas intenções da esquerda e as condições adversas de uma realidade,
interna e externa, claramente hostil à mudança ou a qualquer alternativa ao
modelo imposto por Berlim/Bruxelas; na exploração das divergências idiossincráticas
(históricas, ideológicas, diferente base social) de cada uma das forças
políticas que o subscreveram – incluindo nos pontos que não foram objecto das
negociações (mas devidamente sinalizados).
A realidade se encarregará de ditar, a seu tempo, o destino das
principais áreas de divergência fora do acordo (Tratado Orçamental, Euro, dívida…).
Tanto a realidade que é possível antecipar em cada uma dessas áreas (v.g.,
adensam-se os sinais de uma nova crise financeira/bancária), como a que
surgirá de imprevisto por força de acontecimentos ‘fortuitos’ (v.g., depois dos
ataques de Paris, Hollande informou que vai continuar a não respeitar o sacrossanto
limite do deficit, agora sob pretexto dos investimentos exigidos pela luta
contra o terrorismo). Muito além da persistente e ilegítima discussão em torno da legitimidade
do acordo – traduzindo apenas o desespero de uma direita (acolitada por formatados,
despeitados e bem amestrados opinadores políticos) que se recusa a largar o
poder e que tenta ainda ‘recuperar’ o PS ou, no mínimo, condicionar-lhe a acção
– todos têm plena consciência da magnitude dos problemas envolvidos na mudança
que a esquerda se propõe levar a cabo.
Resta então aguardar pela
arrastada decisão de um Presidente que, antes das eleições se ‘gabarolava’ de ter
todos os cenários estudados e saber muito bem o que iria fazer depois delas.
Afinal os resultados apurados e as negociações estabelecidas entre parceiros
nada recomendáveis segundo os cânones vesgos de um político que diz não o ser,
parecem haver-lhe trocado as voltas e o homem vive na angústia de ter de fazer
aquilo que tem vindo a público dar a entender que não quer fazer – a ‘crise
política’ de que fala foi ele que artificialmente a criou! Em contraste com o
que foi a miséria política, intelectual e moral do mandato de um Presidente
gabarolas e pesporrente, de momento às voltas com as opiniões de quantas
corporações existem no País – afinal o único ‘país real’ que conhece – esta imposta
espera ‘cavaquista’, contudo, algo de positivo tem vindo a granjear: deu mais
tempo à política para descer às ruas, invadir as praças, interessar as pessoas,
tomar conta da vida – e isso é bom! Quanto à contagem decrescente do que resta
do ‘cavaquismo’, decerto não rezará a história, mas acentua os traços de um
personagem mesquinho e destituído de decência! Depois de finado, nem paz à sua
alma instiga – apenas porque um ser assim é seguramente desprovido dela!