A palavra que melhor exprime a
reacção ao (imprevisto? frustrante? inevitável?) resultado das negociações em
torno da crise grega é perplexidade.
Depois de cinco longos e desgastantes meses a negociar e de uma retumbante
resposta do povo grego ao referendo
convocado precisamente para, assim era entendido, ultrapassar o impasse a que
se chegara, afirmando um orgulhoso OXI/NÃO,
o resultado menos esperado – ainda que possível e até mais que provável – era a
quase rendição total ao ‘diktat’ germânico e dos seus acólitos. Bem entendido,
‘menos esperado’ pelos que alimentavam
ilusões na força da democracia expressa no referendo, por todos quantos persistiam
na resistência à submissão e na mudança do rumo político. Ao invés, esperado e ansiosamente desejado pelos
que apostavam na derrota – e na humilhação! – do intrometido e muito odiado
desafiador da normalidade neoliberal e dos riscos de contágio de qualquer
alternativa ao poder instituído.
É ainda cedo para uma avaliação
global dos acordos firmados, pois muito pouco se sabe de concreto do que foi
ajustado. Certo, para já, é que Tsipras
evitou o ‘Grexit’! – contrariando assim o objectivo explícito de Schauble
& Cª. que apostavam tudo na ‘purificação’ da Zona Euro com a saída da
Grécia. À custa de quê? Desde logo sujeitando-se à enorme humilhação de aceitar aquilo que os gregos em referendo
haviam corajosamente recusado há uma semana apenas: aparentemente quase todas
as linhas vermelhas que o Governo grego afirmara não poder ultrapassar foram
ignoradas com a cedência às irrealistas (e irrealizáveis, o tempo irá
confirmá-lo) imposições dos credores a que foi obrigado sob estado de absoluta
necessidade.
É certo, ainda, que o novo resgate inclui, em contrapartidas,
uma quota significativa dos fundos disponibilizados destinada ao relançamento da economia (nunca antes
admitido neste tipo de programas), mas ainda sem definição precisa das
modalidades que as vão concretizar. E uma vaga promessa de reestruturação da
dívida lá mais para diante… Certo, também, é que terá sido salvo, no limite, um
sistema financeiro à beira do colapso e, aparentemente, sem hipótese de recurso
a um ‘plano B’ que lhe permitisse uma
transição indolor para um novo regime. E talvez se encontre aqui a chave de
toda esta negociação (ou chantagem negocial?), pois os efeitos do colapso
financeiro, a verificar-se, seriam arrasadores em todas as áreas da sociedade
grega.
Realisticamente, pois, este ‘3º resgate grego’ encontra-se, por
enquanto, envolto num mundo de expectativas.
Para além das que decorrem da falta de conhecimento exacto do que consta dos
documentos acordados e dos seus posteriores desenvolvimentos concretos (a
esclarecer, porventura, nos próximos dias), importa sobretudo referir as que se
prendem com as leis de chumbo da realidade. Tanto as que actuam por via da
acção consciente e controlada dos homens (através de uma estratégia planeada), quanto as que se impõem pela própria natureza
das coisas (em última análise, é a História que se encarrega de as validar).
Pode admitir-se – os antecedentes
destes seis meses de luta desgastante por parte da liderança do Syriza reforçam
essa tese – que se tratou de um recuo táctico, perante uma situação
que se apresentava insuportável, com o Governo grego emparedado entre a inflexível
imposição dos credores e a desesperante condição do sistema financeiro da
Grécia, prestes a colapsar e que urgia evitar sob pena de danos irreparáveis
para toda a sociedade. Tratar-se-ia, deste ponto de vista, de dar um passo atrás, sem que isso represente
abdicar da estratégia estabelecida pelo Syriza, na expectativa de, recuperada a
‘normalidade’ financeira, voltar aos objectivos essenciais da luta social e
política que o identifica. Os próximos meses ditarão se foi assim ou se, como
se tem ouvido com mais frequência, tudo não passou de uma traição à vontade do
povo expressa no referendo.
Entretanto, mesmo que nada fora
do previsto aconteça (queda do Governo, eleições antecipadas, até uma acção dos
militares…), a evolução da realidade pura e dura, a nível europeu e mundial, encarregar-se-á,
a breve prazo, de pôr à prova a viabilidade das medidas agora acordadas, pelo
que o balanço global da longa noite negocial está longe de poder ser feito,
parecendo prematuros os estados de alma aí revelados indo do esmagador
triunfalismo à mais profunda depressão. Restam, pois, as expectativas empenhadas. No espaço europeu, em especial, será
interessante acompanhar dois domínios que têm vindo a concitar estranha unanimidade (estranha porque junta todos os
quadrantes ideológicos no diagnóstico, sem que daí resulte o efeito prático ditado
pela lógica): por um lado,
considera-se inevitável a urgente reestruturação das designadas
dívidas soberanas dado os níveis atingidos, tidos como impagáveis (da Grécia e
das demais); por outro, face ao que
se caracteriza como Euro disfuncional, reputa-se imprescindível proceder à reconfiguração
da política comunitária nas áreas monetária, orçamental e fiscal, de modo a
ajustá-la à divergência económica dos
países que a integram (sob pena de desintegração).
Mas o grande mérito do processo grego (todo ele um instrutivo manual político, em permanente actualização) foi demonstrar como este Euro torna inútil o recurso aos
mecanismos democráticos como forma de decisão social. Uma outra certeza se consolida então: ao excluir a divergência (económica, política…), o Euro é incompatível com a
democracia! É incompatível até com a ideia e a prática de uma União
Europeia, solidária e… democrática. O contexto neoliberal de domínio do mercado
nunca o permitirá.
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