O anúncio dos resultados da
última visita da troika decorreu sob ambiente fúnebre. A anterior exaltação na
comunicação de uma sistemática ‘nota positiva’ da troika, deu lugar a
rostos fechados, as convictas certezas a desconfiadas projecções. O tom
monocórdico e sem alma do discurso do ministro Gaspar a anunciar – sem se
atrever a assumi-lo – o fracasso da política da austeridade, a
recusa em admitir culpas próprias na destruição inútil do País, na instauração
da miséria e na difusão do desespero, soa a provocação. Na própria base de
apoio ao Governo, às vozes isoladas de Capucho, de Adriano ou de Freitas
alertando para os perigos desta política (gizada ao arrepio do programa
social-democrata de que se reivindica o PSD e da doutrina social cristã que, a
espaços, ainda se ouve no CDS), sucede a descrença e o lamento dos
indefectíveis, ainda que mais receosos dos efeitos eleitorais que dos danos
infligidos ao País e às pessoas. Quanto aos tímidos pios de Cavaco – afinal o
único com poder para intervir – revelam-se tão inúteis como a austeridade!
Depois de destruírem o País, perante a catástrofe e a
evidência da inutilidade da política de austeridade que a provocou, o Governo
procurou disfarçar a sua dimensão, evidenciando o lado positivo dos resultados,
mas a máscara de confiança havia soçobrado ao peso da crua e dura realidade: o
fracasso de todos os objectivos propostos, a ruína de mais de 1 milhão de
desempregados, o País pobre e acabrunhado. No final, todos os indicadores
convergem no diagnóstico de que o desastre económico é o resultado de uma
política errada, mesmo do ponto de vista dos sacrossantos princípios do sistema
(no global, não na óptica de interesses particulares), uma vez que conduziu à
própria destruição do mercado interno, a base indispensável à sua
sobrevivência. Até o único resultado positivo, o equilíbrio das contas
externas, está a ser conseguido precisamente à custa da destruição desse
mercado, o que diz bem da sua eficácia futura.
Do outro lado, apenas a amargura
da confirmação do que insistentemente se vinha há muito denunciando. Ninguém
neste momento surge, triunfante, a reivindicar haver tido razão antes do tempo,
pois à excepção do fundamentalismo enfileirado atrás da clique Borges-Moedas,
era por demais evidente a todos, incluindo em sectores de direita, o desfecho
anunciado desta política. De pouco vale decerto ter razão perante a destruição
de um país. Sobretudo quando, no contexto político actual e nas condições
económicas de dependência externa e enquadramento comunitário, se não vislumbra
com clareza uma alternativa viável para a saída do buraco em que o País foi
afundado. Daí que, perante o descrédito dos partidos tradicionais da esquerda e
a difícil concertação dos respectivos projectos, a maior consistência política
ao descalabro da actual prática governativa pareça residir em acções e
movimentos... inorgânicos. Com todo o risco que isso comporta.
O desbragamento verbal que se observa nos cartazes das
manifestações que, dia após dia, saem à rua em protesto contra esta política,
traduz o desprezo total pelos detentores do poder, a falta de respeito que
merece a sua acção pública. Ao optarem pelos interesses dos mercados em
detrimento das necessidades das pessoas, fizeram-no à revelia das promessas
eleitorais, tornando-se ilegítimos detentores do poder delegado. Agora,
consumado o fracasso das suas políticas, sobram os protestos contra esta
monumental fraude, mas a nota dominante é o desespero, que alimenta a raiva,
antecâmara da violência. Para onde estamos todos, de uma forma ou de outra, a
ser empurrados.
Talvez o principal efeito destas políticas – e que irá seguramente
perdurar muito para além do seu termo – seja mesmo a violência psicológica que
está a ser exercida a nível de cada indivíduo, por múltiplas formas e em
intensidade variável. Porque o resultado lógico desta deliberada política
de selecção natural (?), das empresas e das pessoas, em nome
de uma pretensa renovação da estrutura produtiva – o denominado darwinismo
social – só pode ter como resultado a instauração da selva na sociedade, a
instilação de uma cultura de selvajaria nas relações sociais. Num mundo
onde impera a feroz regra da sobrevivência, para onde se orienta toda uma
geração de jovens, condicionando-lhe desde logo o acesso a ocupações úteis, a
norma é prescindir dos básicos valores éticos e civilizacionais. Dos valores
cristãos aos valores republicanos, afinal os fundamentos desta Europa.
(...)
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