Com o termo da II Guerra Mundial e a derrota da Alemanha
nazi pensava-se enterrada, senão de vez pelo menos por longo tempo, a teoria do
‘espaço vital’ (lebensraum) que havia estado na génese e servido
de argumento (?) para o expansionismo germânico que conduzira à guerra. A
própria construção europeia tinha sido iniciada e pretendia actuar como tampão
a quaisquer formas de expansionismo, político ou militar, no pressuposto de que
era possível e até necessário, após duas conflagrações tremendas a que havia
sido sujeita, construir uma Europa única, complementar e solidária
(nomeadamente através das políticas comuns regional e social), na diversidade
das suas pátrias.
A bondade destes propósitos e o indubitável romantismo dos
‘pais fundadores’ cedo se deparou com as exigências de uma realidade económica
dominada por um sistema que se afirma tanto mais eficaz quanto mais espontâneo
e liberto de condicionalismos, legais ou outros. De tal modo que, perante a lei
do mais forte (o seu princípio basilar), as próprias normas comuns,
supostamente neutras e estabelecidas em nome da comunidade de países que a
integram, acabam por favorecer os mais poderosos e actuar como colete de
forças, quando não mesmo como garrote, dos mais débeis e pequenos.
Demorou pouco a tudo isto ser entendido e, de forma algo
estranha, aceite por todos. Políticos e comentadores políticos repetem à
exaustão que ‘a realidade é o que é (?) e contra isso nada se pode fazer (!!!)’
(a espúria tese do inevitável e da correlativa ausência de
alternativa!). Mais estranho ainda, porém, a parola mas canhestra tentativa
de, perante a adversidade, cada um tentar descolar da desgraça alheia,
calculando assim melhor poder salvar-se: Portugal não é a Grécia, a Espanha não
é Portugal,... Salta-nos à memória o ‘velho’ poema de Brecht: ‘primeiro levaram
os comunistas, mas como não era nada comigo, eu não me importei...’ E assim
sucessivamente até ser eu a vítima escolhida... quando já não restava mais
ninguém a quem recorrer!
Afigura-se oportuno aqui recordar a já ‘gasta’ frase de
Marx, quando afirmava que ‘a História repete-se: primeiro como tragédia,
depois como farsa’. No contexto da presente crise europeia, denominada das
‘dívidas’ (dívidas resultantes, em boa medida, do
financiamento público da crise ‘sub-prime’ gerada pela desregulação
financeira!), parece quase irresistível (porventura historicamente abusivo), a
transposição para a evolução dos acontecimentos que antecedeu precisamente a II
Guerra Mundial, com a agressão da Alemanha por trás da teoria do ‘espaço
vital’: primeiro a Áustria (sem reacção séria por parte dos países democratas),
depois os Sudetas (com o vergonhoso Acordo de Munique), por fim a Polónia – e
só aqui a democracia reagiu, mas já sem tempo para evitar a guerra.
A evolução actual dos acontecimentos parece seguir o mesmo
padrão: então a expansão foi feita em nome da ideologia nazi, apoiada
na teoria do ‘espaço vital’, protagonizada por uma nação concreta
– a Alemanha – utilizando meios bélicos, materiais e humanos, de
dimensão nunca antes vista; agora a expansão é feita em nome da ideologia
liberal, baseada na tese da ‘austeridade inevitável’, protagonizada
por uma entidade abstracta – os misteriosos mercados (com
tradução concreta, é certo, no poder financeiro dos Bancos, Fundos,
Seguradoras,...) – utilizando furtivos veículos financeiros, os
famigerados ‘off-shores’.
A teoria do ‘espaço vital’ parece feita à medida das
exigências dos mercados/capital, cuja vitalidade depende da sua
expansão/acumulação contínua, feita à custa da transferência agressiva de valor
do trabalho. Prestes a consumar-se, por estes dias, mais um desfecho desta
agressão: em ambiente quase bélico, anuncia-se o ‘ausschluss’ da Grécia
(desta feita não por anexação, mas pela sua exclusão do euro), seguir-se-á
Portugal, depois a Espanha... Parece esquecida a longa tragédia que
constituiu a Guerra Mundial (em dois episódios) no séc. XX, a história volta,
pois, a repetir-se, desta vez como farsa infame! Quando é que os
democratas, países e pessoas, entenderão dever intervir para salvar – como em
1939! – a democracia?
Até agora a maior dificuldade tem estado na ausência de uma
alternativa consistente de esquerda à narrativa liberal da ‘austeridade
inevitável’. Talvez os sinais mais promissores nos cheguem do actual elo mais
fraco comunitário, porventura menos do messiânico Hollande (os próximos dias
serão esclarecedores). Apesar da enorme chantagem eleitoral que já se abateu
sobre os gregos (por parte da Alemanha, claro, do próprio PCE Barroso,...), fiquemos atentos, pois, à evolução política na Grécia – afinal
o berço da democracia!
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