quinta-feira, 17 de maio de 2012

O ‘lebensraum’ dos mercados


Com o termo da II Guerra Mundial e a derrota da Alemanha nazi pensava-se enterrada, senão de vez pelo menos por longo tempo, a teoria do ‘espaço vital’ (lebensraum) que havia estado na génese e servido de argumento (?) para o expansionismo germânico que conduzira à guerra. A própria construção europeia tinha sido iniciada e pretendia actuar como tampão a quaisquer formas de expansionismo, político ou militar, no pressuposto de que era possível e até necessário, após duas conflagrações tremendas a que havia sido sujeita, construir uma Europa única, complementar e solidária (nomeadamente através das políticas comuns regional e social), na diversidade das suas pátrias.

A bondade destes propósitos e o indubitável romantismo dos ‘pais fundadores’ cedo se deparou com as exigências de uma realidade económica dominada por um sistema que se afirma tanto mais eficaz quanto mais espontâneo e liberto de condicionalismos, legais ou outros. De tal modo que, perante a lei do mais forte (o seu princípio basilar), as próprias normas comuns, supostamente neutras e estabelecidas em nome da comunidade de países que a integram, acabam por favorecer os mais poderosos e actuar como colete de forças, quando não mesmo como garrote, dos mais débeis e pequenos.

Demorou pouco a tudo isto ser entendido e, de forma algo estranha, aceite por todos. Políticos e comentadores políticos repetem à exaustão que ‘a realidade é o que é (?) e contra isso nada se pode fazer (!!!)’ (a espúria tese do inevitável e da correlativa ausência de alternativa!). Mais estranho ainda, porém, a parola mas canhestra tentativa de, perante a adversidade, cada um tentar descolar da desgraça alheia, calculando assim melhor poder salvar-se: Portugal não é a Grécia, a Espanha não é Portugal,... Salta-nos à memória o ‘velho’ poema de Brecht: ‘primeiro levaram os comunistas, mas como não era nada comigo, eu não me importei...’ E assim sucessivamente até ser eu a vítima escolhida... quando já não restava mais ninguém a quem recorrer!

Afigura-se oportuno aqui recordar a já ‘gasta’ frase de Marx, quando afirmava que ‘a História repete-se: primeiro como tragédia, depois como farsa’. No contexto da presente crise europeia, denominada das ‘dívidas’ (dívidas resultantes, em boa medida, do financiamento público da crise ‘sub-prime’ gerada pela desregulação financeira!), parece quase irresistível (porventura historicamente abusivo), a transposição para a evolução dos acontecimentos que antecedeu precisamente a II Guerra Mundial, com a agressão da Alemanha por trás da teoria do ‘espaço vital’: primeiro a Áustria (sem reacção séria por parte dos países democratas), depois os Sudetas (com o vergonhoso Acordo de Munique), por fim a Polónia – e só aqui a democracia reagiu, mas já sem tempo para evitar a guerra.

A evolução actual dos acontecimentos parece seguir o mesmo padrão: então a expansão foi feita em nome da ideologia nazi, apoiada na teoria do ‘espaço vital’, protagonizada por uma nação concreta – a Alemanha – utilizando meios bélicos, materiais e humanos, de dimensão nunca antes vista; agora a expansão é feita em nome da ideologia liberal, baseada na tese da ‘austeridade inevitável’, protagonizada por uma entidade abstracta – os misteriosos mercados (com tradução concreta, é certo, no poder financeiro dos Bancos, Fundos, Seguradoras,...) – utilizando furtivos veículos financeiros, os famigerados ‘off-shores’.

A teoria do ‘espaço vital’ parece feita à medida das exigências dos mercados/capital, cuja vitalidade depende da sua expansão/acumulação contínua, feita à custa da transferência agressiva de valor do trabalho. Prestes a consumar-se, por estes dias, mais um desfecho desta agressão: em ambiente quase bélico, anuncia-se o ‘ausschluss’ da Grécia (desta feita não por anexação, mas pela sua exclusão do euro), seguir-se-á Portugal, depois a Espanha... Parece esquecida a longa tragédia que constituiu a Guerra Mundial (em dois episódios) no séc. XX, a história volta, pois, a repetir-se, desta vez como farsa infame! Quando é que os democratas, países e pessoas, entenderão dever intervir para salvar – como em 1939! – a democracia?

Até agora a maior dificuldade tem estado na ausência de uma alternativa consistente de esquerda à narrativa liberal da ‘austeridade inevitável’. Talvez os sinais mais promissores nos cheguem do actual elo mais fraco comunitário, porventura menos do messiânico Hollande (os próximos dias serão esclarecedores). Apesar da enorme chantagem eleitoral que já se abateu sobre os gregos (por parte da Alemanha, claro, do próprio PCE Barroso,...), fiquemos atentos, pois, à evolução política na Grécia – afinal o berço da democracia! 

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