Têm vindo a ganhar consciência na opinião pública, para
além de todas as tentativas de os ocultar ou manipular, dois verdadeiros
enigmas. O primeiro, de difícil aceitação, diz respeito à
pirueta traduzida na forma como as ideias políticas na origem da crise surgem
agora a liderar a via para a resolver. De como da crescente desregulamentação
financeira que, em 2008, colocou o capitalismo à beira do colapso (na expressão
dos seus mais indefectíveis defensores), se passou à defesa acérrima (traduzida
na prática política dominante na UE e em Portugal) da total liberalização
económica como única alternativa para o salvar!!!
Este evidente passo em frente em direcção ao abismo,
apresentado como inevitável e redentor (‘não há alternativa à austeridade!’),
talvez possa ser explicado pela cegueira ideológica do poder dominante liberal
que o impede de ver as consequências das políticas que advoga e leva à prática,
já em desespero perante o descontrolo – económico, social e político (aí está
de novo o nazismo) – a que conduziram tais políticas. Mas o que não se explica
é a aparente passividade das pessoas perante as medidas que lhes roubam
direitos e ameaçam o seu futuro em nome de uma vaga promessa de estabilidade
(?) num cenário longínquo e de alcance que se sabe já impossível.
E daqui nasce o segundo enigma: como é
possível, perante o descalabro da situação actual e os efeitos negativos sobre
a vida das pessoas (evidenciados em diversos indicadores, mas sobretudo nos números
do desemprego), não ter ainda ocorrido nenhuma explosão social grave, como
chegou a antecipar-se logo que a crise se anunciou? A degradação do nível de
vida ou a erosão das classes médias, cada vez mais ‘proletarizadas’ e reduzidas
na sua dimensão, não constituem, por si só, razão suficiente para a revolta?
Olha-se à volta, aqui ou noutros lugares (da Europa, em especial) e os sinais
não apontam nesse sentido. A sensação geral é de enorme desconforto, talvez de
sofrida resignação perante o desenrolar inexorável de uma catástrofe anunciada,
mas não se vislumbra a esperada convulsão social, aparentemente está-se longe
do estado de agitação. Por vezes, é certo, bastam pequenos rastilhos, débeis
pretextos, para se revelar a indignação, se propagarem tumultos, se desencadear
a rebelião. Como as árabes do início de 2011, por exemplo.
A explicação do que se passa nos países em crise da
Europa, contudo, em que, não obstante alguma agitação mais localizada, tudo
parece controlado, deve ser encontrada, antes de mais, no papel que os partidos
social-democratas e socialistas europeus, rendidos ao liberalismo na versão da
denominada “3ª via blairista”, têm vindo a assumir perante os seus
eleitorados e a opinião pública em geral, na acomodação de um processo cujo desfecho
inevitável parece conduzir à eliminação do Estado Social. A aceitação da via
austeritária que a tal conduz, imposta pelo pensamento único do poder liberal,
não seria possível sem a sua intervenção, seja directa quando no poder (Reino
Unido, Portugal, Espanha, Grécia,...), seja de forma complacente e submissa
quando remetidos para a oposição (descontado o efeito da truculência estéril de
alguns discursos).
Uma alternativa política para a saída da crise
actual – exigência que parece cada vez impor-se mais na própria opinião
pública – depara, no caso português, com o dramático dilema em
que a solução se encontra presa no problema que a originou (ou pelo menos a
permitiu)! É que se não parece possível resolver a situação com este PS,
afigura-se de igual modo impossível, por enquanto, encontrar uma saída sem este
PS. Estaremos de novo pendentes de mais uma pirueta? A entrevista de Mário
Soares ao ‘I’ (8/Maio), aconselhando o PS a romper o acordo com a troika, é
muito elucidativa (mesmo reconhecendo que, hoje, o peso das opiniões do
histórico socialista é meramente simbólico e de pouca eficácia no seio da
actual liderança do partido)!
Resta então ver até que ponto os resultados das eleições
francesas – considerando as promessas do eleito presidente socialista
Hollande... – e das gregas – com a rejeição unânime da
austeridade num contexto de ingovernável fragmentação eleitoral – introduzem,
neste contexto, alguma novidade. Para já soou o alarme nas hostes liberais,
sucedem-se as declarações dos responsáveis pela condução do actual poder
insistindo no cumprimento dos acordos firmados, prevenindo desde já eventuais
ondas de choque do ‘mau exemplo’ grego. Indisfarçável o nervosismo dos
famigerados mercados, tanto como o dos comentadores habituais que, sem perderem
a arrogância que o acesso ao poder lhes confere, se foram posicionando entre a
displicente desvalorização e a avaliação negativa dos resultados (ainda assim
maiores concessões ao ‘bico-de-obra’ grego!).
Mesmo que o gesto de Hollande não passe, para já, disso mesmo, de um
gesto apenas, abre-se uma brecha para uma nova dinâmica nos próximos tempos.
Afinal nem tudo está perdido!
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