sexta-feira, 3 de junho de 2011

O irresistível discurso do i-n-e-v-i-t-á-v-e-l

O tempo de campanha é, já se sabe, tempo de representação mais que de informação. Era suposto ser o contrário, foi para isso que foi criado, mas os ‘marketings’ e a propaganda alteraram-lhe as voltas e os bons propósitos, hoje ninguém estranha o circo montado em torno do que se pretendia fosse a promoção das ideias dos candidatos aos cargos políticos em disputa. O objectivo já não é esclarecer o conteúdo das diferentes propostas, debater ou procurar convencer através do confronto de ideias, afirmar convicções, mas cumprir um ritual em que o mais importante é demonstrar força para impressionar o eleitor: convencê-lo não pela força das ideias mas por uma peculiar ideia de força, construída a partir da capacidade de mobilização partidária ou de uma sua pretensa imagem montada por poderosas e dispendiosas máquinas de propaganda.

Aquilo que devia ser uma oportunidade e contribuir para clarificar as escolhas políticas, salientar as diferenças essenciais das propostas em disputa, reduz-se a meras caricaturas da dimensão dos seus (as mais das vezes) minúsculos protagonistas, ora refugiados numa linguagem cifrada (do domínio dos ‘especialistas’), ora escondidos por detrás de promessas ilusórias e irrealistas. Erguem-se palcos faustosos para receber arregimentados correligionários, com o único propósito de alardear supremacia e atestar entusiasmos bem ensaiados.

O desprezado (ou ignorado) confronto de opiniões que era suposto haver como forma de se rejuvenescerem propósitos e reganhar-se motivação para os esforços exigidos na concretização das propostas apresentadas, é substituído em geral por duas ou três ideias simples, matraqueadas à exaustão, sem grandes explicações (os axiomas não necessitam de demonstração). ‘Quem nos trouxe à bancarrota não pode voltar a governar’, reitera Passos e, com ele, todos os seus apaniguados; ‘quem nos arrastou para esta crise desnecessária, foi irresponsável, não tem condições para governar’, insiste Sócrates e, à volta dele, o seu círculo de aduladores.

Ideias à margem do essencial do que se decide nestas eleições. Porque o essencial, apesar de escancarado no conteúdo dos acordos impostos pela ‘troika externa’ (afinal descobrem-se dois e não um documento apenas, o do FMI e o da UE), é tratado como se de segredo de Estado se tratasse ou então como se nenhum dos três da ‘troika interna’ tivesse alguma coisa a ver com ele (querem ver que ainda descobrem que não os assinaram, ou então que assinaram sem saber bem o quê!). Queima, é o que é, e nenhum deles quer sair chamuscado antes do acto eleitoral. Depois... quem ficará tisnado são os de sempre. Que, ainda assim, mesmo sabendo o que os espera, se aprestam a estender o tapete aos incendiários habituais. A cena repete-se, pois.

A razão, essa, descobre-se numa única palavra, afinal a que vai decidir o sentido de voto destas eleições: inevitável! O acordo com a troika era... inevitável! Como igualmente será inevitável, cumpri-lo! Como? Ninguém é capaz de o explicar muito menos garantir, mas lá que é inevitável... Foi isto que desde logo tornou supérfluo conhecer o conteúdo do que era inevitável. Pois se é inevitável, nem é necessário saber o que nele consta. O que é inevitável, não se questiona, ponto. Do mesmo modo, aceita-se a alternância como inevitável (a tese do 'mal menor') e rejeita-se a alternativa, precisamente porque contraria o discurso oficial do inevitável!

Foi isto, aliás, que os políticos do auto-designado ‘arco da governação’ conseguiram fazer passar por estes dias, bem secundarizados, diga-se, por todo o coro mediático. Não houve comentador ou analista (político ou de outra coisa qualquer) que ousasse contrariar esta imposta certeza absoluta. Com receio até de que eventuais hesitações pudessem irritar os ‘beneméritos’ espíritos da troika, pondo em perigo o empréstimo acordado.

Bem podem clamar, Jerónimo e Louçã, cada um à sua, que ‘inevitável’ irá ser a reestruturação da dívida (com renegociação do acordo). Apenas tiveram, na melhor das situações, o benefício equivalente à ‘terminação’ da lotaria: “claro que o Louçã tem razão quando fala em reestruturação, mas isso é para se ver lá mais para diante...” (Ricardo Costa). Certamente quando as condições da dívida forem bem mais gravosas!

Enquanto isso, Portas saltita de feira em feira, entre mal-disfarçados ensaios de poses de Estado e auto-elogios à sua ‘sublime humildade democrática’ (!); Passos levita nas nuvens, ansiando (ele e a caterva que se perfila atrás dele) pelo dia em que finalmente irá meter a mão no pote; Sócrates, em agonizante estertor final, esganiça-se-lhe a voz, cumprindo-se o ditado – suprema ironia, depois de tanta picardia verbal... – que 'pela boca morre o peixe'!

Passadas as eleições – e a ‘festa’ da campanha – haverá então tempo para pensar em coisas sérias. No conteúdo do ‘acordo’, por exemplo. Ou, quem sabe, já na sua inevitável reestruturação.

Sem comentários: