segunda-feira, 2 de maio de 2011

A estratégia do medo

Na actual crise da ‘dívida’, os únicos dois aspectos que parecem reunir consenso geral, da esquerda à direita, são os de que (1) o volume da dívida atingiu níveis incomportáveis (fruto de sucessivos déficit excessivos nas contas externas do país, ainda assim maiores os dos ‘particulares’ que os do Estado); (2) que se torna necessário, em consequência, proceder ao controle da dívida e ao reequilíbrio das contas externas (a começar pelas do OE).

A partir daqui, porém, tudo diverge: nas causas que conduziram a este descalabro financeiro e nas soluções adiantadas (ou já postas em prática) para o ultrapassar. E a análise das causas que conduziram a esta situação não é, de todo, um problema menor ou meramente académico, porque a definição das soluções mais adequadas para vencer a crise (múltipla) que daí resultou, requer o conhecimento completo das condições objectivas e subjectivas do que lhe deu origem, incluindo os próprios princípios programáticos em que se enquadra (e a produziu).

Quando um iluminado ‘guru’ liberal (António Borges) garante que a "especulação não tem tido importância nenhuma" no descalabro financeiro (e consequente resgate) de Portugal, Grécia e Irlanda, constituindo o nível actual da dívida ‘apenas’ o resultado de políticas erradas (erradas em que sentido?), é todo um programa político que ele propõe como solução. Este tipo de discurso visa um único objectivo: atribuir a responsabilidade pelo situação actual exclusivamente a factores internos, para, assim, melhor se justificar a insistência na contínua desvalorização do trabalho e na transferência de valor para o capital, mormente o dos especuladores, ‘resguardados’ por comentários tão canhestros – quanto clarificadores, diga-se.

Os meios para atingirem tal objectivo são, naturalmente, múltiplos, entre eles e sempre o recurso à ‘estratégia do medo’. Na convicção, construída por milénios de experiência, de que o medo quebra as pessoas, modera-lhes o ímpeto e destrói-lhes a vontade. Na verdade, à medida que se aproxima o dia em que será anunciado o volumoso pacote financeiro da denominada ‘ajuda’ externa (?), acentua-se o aterrador tom de intimidação sobre a natureza das medidas de austeridade que o acompanharão e lhe servirão de caução! Dos encartados especialistas aos pressurosos comentadores de serviço nos ‘media’, dos abnegados políticos aos impolutos gestores, todos pretendem dar o seu contributo pessoal para a carnificina que auguram, num exercício de prazer sádico que parece ter tomado conta das mentes bem pensantes, apostados cada um à vez em acrescentar, sobre o depoimento do anterior, maior dramatismo à situação.

O objectivo desta cáfila que se apresenta travestida de grandes sumidades é óbvio: tornar mais aceitável a austeridade real! Quanto mais negras forem as cores com que pinta a situação e mais gravosas as medidas que anuncia como inevitáveis (palavra abusada e muito desgastada!), mais resignada se espera venha a ser depois a sua aceitação pelos seus destinatários. Trata-se, no fim de contas, de uma espécie de preparação ‘pedagógica’ pelo susto, destinada a evitar acções de rejeição desta escalada de austeridade, que leve as pessoas, assim que o pacote de medidas for revelado, a desabafar, quase aliviadas: afinal podia ter sido bem pior...

Por debaixo de tanta apreensão, semblantes carregados a condizer, por vezes mesmo o rasgar de vestes clamando inocência por tamanho opróbrio pátrio (de que se dizem também vítimas), apenas uma coisa verdadeiramente os preocupa: que venha a ser posta em causa a estabilidade social, garante da comodidade das suas posições pessoais! Porque as verdadeiras vítimas (tenho-o vindo a afirmar com insistência), encontram-se sobretudo entre os que perdem o trabalho ou não o conseguem obter – num desfecho, é certo, há muito anunciado como resultado incontornável da lógica que governa o sistema... e nos desgoverna!

Agitar o medo é recurso antigo e de resultados comprovados. Tentar impor pelo medo o que não se consegue pela persuasão é, afinal, arma desde sempre utilizada e a que facilmente recorrem os poderes instalados. Muitas e variadas maneiras foram adoptadas, conforme os sítios e as pessoas, ao longo da História, indo da opressão e violência física, à coacção e violência verbal – hoje pela privilegiada utilização dos ‘media’.

Tal manipulação de sentimentos constitui, afinal, nas sociedades actuais, mais um sintoma preocupante de menorização desta democracia (supostamente governo da maioria), cada vez mais subordinada a interesses particulares e de grupo.

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