segunda-feira, 6 de abril de 2015

A hora das opções decisivas, na Grécia como em Portugal e no resto da Europa (I)

I - Tanto Euro para tão pouca democracia!

Pouco a pouco vai-se aproximando a hora das opções decisivas. Não tardará muito elas irão impor-se na Grécia e, por inevitável arrasto, estender-se-ão aos restantes países europeus. Desde logo aos que ainda este ano se terão de confrontar com eleições e onde, na sequência do que já ocorreu na Grécia, podem emergir alternativas para além das tradicionais alternâncias. Que arriscam vir a baralhar os habituais remansosos jogos de poder pois não deixarão de questionar (ou incomodar?) as opções individuais que cada um irá ser chamado a tomar. E é sobretudo destas que importa falar então, em nome do urgente resgaste do bem-estar extorquido, dos direitos ameaçados, do aumento das desigualdades, da dignidade ofendida…

O essencial do debate irá centrar-se seguramente em torno da austeridade responsável por tamanha regressão histórica – em nome da intransigente defesa do Euro! Na melhor das hipóteses a abordagem poderá ir ao ponto de questionar a própria razão de ser da austeridade em período de recessão, mas na maioria das vezes a discussão não irá sequer além da dosagem certa a aplicar: a austeridade não é questionável, ela torna-se mesmo inevitável perante um nível tão elevado da dívida, apenas importa saber em que medida ela é suportável para permitir criar as condições para a sua liquidação. Pouco importa avaliar a forma como esse montante foi originado, quem afinal lucrou com ela e a provocou. Falar de ‘auditorias à dívida’ neste contexto pouco ou nenhum sentido fará. E, no entanto, a austeridade no centro do debate foi apenas o meio encontrado ou a justificação para se aplicar uma política centrada, isso sim, na brutal transferência de recursos do trabalho para o capital, sob múltiplas formas e pretextos. A desvalorização da política e a tentativa de a substituir pela técnica – bem apoiada por reverentes e pressurosos ‘media’ de serviço – completam esta operação de reorganização social neoliberal.
 
Ora, para quem na Europa a aprendizagem forçada dos últimos anos não fora bastante para o evidenciar, a experiência grega dos dois meses de governação da actual coligação liderada pelo Syriza tornou bem claro o dilema que resume a opção essencial em confronto: se a austeridade por trás dessa brutal transferência de recursos é o suporte político natural deste Euro, então a única alternativa que resta à democracia passa por se ponderar seriamente a saída dele em momento oportuno. Esta é a conclusão a partir da qual será possível construir uma plataforma de entendimentos para o futuro sem equívocos ou ilusórias expectativas. Talvez a mesma que permitiu ao Syriza, percebe-se melhor agora, coligar-se com um partido de centro-direita, mas firme na oposição a esta austeridade e disposto a sair do Euro se a tal for obrigado. O que de algum modo antecipa já os desenvolvimentos imediatos deste processo.

Pressentia-se, com a vitória do Syriza na Grécia, que muita coisa na política europeia (e nas políticas dos respectivos países) iria ser posta à prova. Desde logo o confronto da autonomia democrática de cada país com a cada vez mais assumida hegemonia alemã, a pretexto do Euro, e o papel de crescente subserviência das instituições europeias, a começar pela Comissão, perante tal poder. Da permanente chantagem exercida pelo BCE sobre as finanças gregas, à uniformidade de posições adoptada pelos países comunitários (mesmo que aqui ou ali, fora dos centros de decisão, um ou outro possa emitir alguma nota dissonante de apoio ao governo grego), obedientemente perfilados perante o Kaiser alemão – de momento a guarda avançada da ofensiva neoliberal – tudo parece conjugar-se para provar a impossibilidade de, no actual contexto político de subordinação ao Euro, poder vingar alguma autonomia neste unanimismo, imposto ou assumido, de pendor germânico. Que, afinal, de nada valem posições políticas voluntaristas, por mais democráticas e bem-intencionadas, perante o ‘diktat’ dos poderes instituídos, normalmente travestido de imposições técnicas, versão actualizada do TINA de Tatcher.

Esta aparente conformidade política de posições com origens tão díspares e interesses tão divergentes é apontada como normal e até inevitável face aos compromissos assumidos perante as instituições comunitárias. O edifício institucional desta UE assume-se, pois, como ‘apenas’ mais uma peça de uma vasta operação – reafirme-se sempre – minuciosamente elaborada ao longo das últimas décadas, tendente à implantação das ideias e práticas liberais, resultando na actual globalização capitalista. A orientação ideológica neoliberal, laboriosamente tratada em sociedades (quase) secretas ou em selectas academias universitárias (da Societé Mont-Pelerin à Escola de Chicago…), tem a sua expressão prática na condução política promovida por múltiplas organizações privadas supranacionais (do Consenso de Washington ao Club Bilderberg ou à Comissão Trilateral…) e, a nível interno de cada país, por uma miríade de partidos que vão dos assumidamente liberais aos social-democratas e socialistas, acusados de capitularem perante o avassalador poder liberal.

Tudo isto devidamente ‘condimentado e bem oleado’ por uma comunicação social bem atrelada, cumprindo a função de justificação perante uma opinião pública que se pretende avessa à política (e com horror aos políticos!) e arredada da cidadania, presa na versão tecnocrata do indiscutível ‘não há alternativa’! De fora apenas as franjas marginais da política, os partidos ditos de protesto, tolerados pelo sistema e assim designados para surgirem perante a tal opinião pública como incapazes de governar, ao mesmo tempo que desse modo cumprem, na sua óptica, o papel de enquadramento legal das tensões sociais que melhor legitima os seus actos. 
(...)

Sem comentários: