quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

O ultimato ‘europeu’ irá levar a Grécia ao referendo a ‘esta’ Europa?

Se dúvidas existissem ainda sobre o que realmente se encontra em causa na questão dita da ‘dívida grega’, elas puderam ser totalmente dissipadas com os últimos desenvolvimentos das negociações em curso entre a Grécia e o Eurogrupo para a sua resolução. Seja qual for a razão dessas dúvidas – de base ideológica, política ou meramente cultural (‘se os gregos devem, os gregos devem pagar’, ou ‘os compromissos são para cumprir’) – o conteúdo e até a forma do ‘diktat’ transmitido ao Governo grego no final da sessão do Europrupo da passada segunda-feira/16 pelo seu presidente, o ‘socialista’ (!) holandês Jeroen Dijsselbloem, ditaria por si só o abandono desses argumentos comuns invocados para suportar a inflexível posição ‘desta’ Europa.

Ficou a saber-se então que um inócuo documento negociado com o comissário europeu para a economia e finanças (o ex-ministro francês Moscovici) fora retirado logo no início da reunião do Eurogrupo pelo dito socialista holandês (por certo a mando da Alemanha e/ou dos seus fâmulos mais servis, à cabeça os governos de Portugal e Espanha, receosos do confronto com os seus eleitorados) e onde constavam posições tão ‘radicais’ como “o Governo Helénico compromete-se a implementar as reformas há muito esperadas para combater a corrupção e a fuga ao fisco e modernizar a administração pública (…), medidas urgentes para assegurar um sistema fiscal mais justo e eficaz.” Além disso “Irá assegurar que quaisquer medidas novas não contrariem os compromissos existentes e (…) abster-se de acções unilaterais (…).” Ou, ainda, “as autoridades gregas reiteraram o seu compromisso inequívoco com as obrigações financeiras para todos os seus credores.” (!!!)

Ademais, Varoufakis, o ministro que lidera as negociações pelo lado da Grécia, fizera já saber, de viva voz, que afinal os gregos querem pagar o que devem, reafirmara mesmo pretender cumprir os compromissos assumidos pelo Estado grego por anteriores governos. A grande divergência está nos meios para o atingir, nos programas postos em prática para o conseguir – as famosas reformas estruturais –, enfim, nas políticas que cada um deveria democraticamente poder escolher. A posição inflexível não é, pois, sobre o pagamento da dívida – ambos concordam que deve ser paga! – reside antes na opção política entre a ‘austeridade criativa’ e qualquer alternativa que a ponha em causa, é entre a ‘austeridade’ traduzida em sempre mais restrições para o povo e uma política que se pretende voltada para as suas necessidades. Já todos perceberam, aliás, que a transferência de recursos obtida na base dessas políticas de austeridade se destina a alimentar um monstruoso e insaciável sistema financeiro – suporte e parasita de um sistema capitalista decadente – que resiste a qualquer mudança em nome de um famigerado mercado livre – apesar da ameaça de morte que o assombrou no ‘crash’ de 2008!

Pouco importa que o modelo neoliberal (ou ordoliberal na versão alemã) das reformas estruturais tenha conduzido à destruição da economia, à desestruturação da sociedade grega, à catástrofe humanitária, se demonstre inviável e sem futuro. O que mais importa é concluir o processo de mudança social tendente à implantação de uma sociedade organizada na base do livre mercado, sem interferência de opções democráticas desestabilizadoras. Importa, pois, insistir nas medidas que, até agora, castigaram o povo grego reduzindo-o à dependência e à penúria por, na versão oficial, ter a ousadia (para alguns tratar-se-á mesmo de descaramento) pretender aproximar-se dos padrões de bem-estar europeus; contudo, na versão real do que efectivamente aconteceu, para salvar uma banca (alemã e francesa, nomeadamente) em eminente colapso de incumprimento por efeito de uma gestão centrada na busca de resultados imediatos e na especulação.

Nem sequer surpreende que, perante o descalabro de tal modelo dito de ajustamento, não seja dada a oportunidade para se esboçar uma outra opção, pois isso seria não só admitir o falhanço do programa imposto nos últimos anos à Europa, como permitir que se generalize a ‘ideia perigosa’ de que existe alternativa à austeridade; e, sobretudo, correr o risco de ficar por concluir o processo de reformas para a tal mudança estrutural da sociedade onde quem manda é o mercado, à democracia fica reservado o papel dos formalismos de enquadramento pouco mais que burocrático, a administração da justiça e as acções de segurança na protecção e defesa dos cidadãos sem direitos.   

Apesar da intensa nebulosa política actual, percebe-se que nenhuma das partes parece ter margem para ceder. A posição grega está limitada pelo compromisso eleitoral assumido na sequência dos resultados das eleições de 25/Jan, implicando a alteração da política de austeridade; a posição europeia aprisionada na ideologia que tem orientado a construção da União pelo menos desde Maastricht, pelo que, qualquer desvio agora poderia conduzir à sua derrocada pela introdução do princípio da subversão na confiança que cimenta as Instituições Europeias. Assim, pelo rumo que estas negociações estão a tomar e as fracas hipóteses da democracia poder ainda vir a quebrar a hegemonia germânica que amarra e tolhe a Europa, a Grécia pode vir a ser empurrada (a contragosto, já o demonstrou) para fora do Euro. Se tal se perspectivar e a iniciativa pertencer aos gregos, essa poderá ser uma oportunidade da política exercer a sua supremacia sobre a economia, da democracia se sobrepor ao mercado, colocando-se a decisão nas mãos do povo, através de um referendo sobre a Europa/Euro – afinal ‘apenas’ 5 anos volvidos sobre o referendo que Papandreou deveria ter feito e não fez por pressão da Alemanha e da França! Não se ignora, nas condições actuais, os enormes riscos envolvidos (sobretudo económicos para a Grécia, económicos e políticos para a Europa), mas a exigência de legitimidade democrática não permite grande margem de manobra. A menos que o estado de degradação política coloque já fora de tempo e sem espaço as soluções democráticas…

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