segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

As eleições na Grécia e a teoria da vacina

Neste início do ano boa parte das atenções mediáticas dos designados analistas políticos converge para um evento que ameaça agitar o pensamento único das instituições europeias: as próximas eleições na Grécia. Tudo aquilo que aqui se disser sobre este assunto arrisca-se, pois, a ter já sido dito por outros, mas ainda assim a importância do tema para o futuro da Europa e do mundo justifica a sua abordagem, mais que não seja para se reafirmar e assumir uma posição num tempo em que urge definir o lugar de cada um na luta política. Porque ‘estas’ eleições gregas e a probabilidade, de acordo com as sondagens, de o Syriza as vir a ganhar, não deixam ninguém imparcial. Por razões bem diferentes, tanto a direita como a esquerda as temem e as desejam.

Só isso explica a inusitada ansiedade que se apoderou da direita, misto do receio de tal solução poder vingar – pondo em causa a pacatez actual do centrão! – e da aposta em que tal venha a descambar num ansiado fiasco, seja pela via do caos como desejam que aconteça se um radical Syriza levar por diante a sua intenção de se constituir numa verdadeira alternativa à austeridade actual (desde logo liderando um difícil processo de reestruturação da imensa dívida grega), seja mais pela esperada capitulação perante as imposições de Bruxelas, numa nova e mais trágica versão ‘Hollande’. Transformar-se-ia, assim, numa espécie de vacina para os demais países, em especial os restantes PIGS do indisciplinado e preguiçoso Sul, de tal modo que, perante o desejado descalabro desta solução, nenhum outro a venha a adoptar e todas as veleidades de se encontrar uma alternativa à austeridade soçobrem perante a dura realidade!
 
Tudo isto, porém, pode ser invertido e a vacina funcionar ao contrário dos vaticinados desejos desta direita: em lugar de demonstrar ser inviável uma qualquer alternativa à imposta austeridade actual, pode começar a gizar-se aqui precisamente o embrião de uma saída democrática que tenha em conta as pessoas, ‘contra’ a submissão aos mercados e o poder financeiro. A esquerda vive, pois, também ela, uma compreensível e ainda mais elevada ansiedade. Sem contar com a falsa partida que constituiu a eleição de Hollande em França (em que alguns vislumbraram a possibilidade de uma saída para os impasses da situação actual), esta é a primeira vez que se coloca a hipótese de vitória de uma alternativa de esquerda à até agora absoluta dominação neoliberal do ‘não há alternativa’, mas a probabilidade de sucesso, mesmo no caso de o Syriza ganhar as eleições, é deveras diminuta. Não só porque, caso o consiga, dificilmente este atingirá maioria absoluta, mas sobretudo porque as dificuldades que se antecipam em ser capaz de impor a sua alternativa são enormes.

Desde logo porque o poder instalado antevê como ninguém o que verdadeiramente vai estar em jogo: o seu próprio futuro. Daí as pressões externas (UE, FMI…) e o condicionamento do voto pela campanha de terror já em curso, por parte de Bruxelas e Berlim, contando com o serviçal poder mediático, sobre os efeitos nefastos que a pretensão dos gregos em decidir livremente podem acarretar à Grécia. O exemplo das sete pragas do Egipto ali tão próximo seria coisa menor quando comparado com os terríveis prejuízos que se abaterão sobre o País caso este ouse afrontar – em eleições democráticas, registe-se – o estabelecido pelo supremo poder (não eleito) de Bruxelas (ou Berlim?), recusando os programas aí definidos e opondo-se à dívida impagável e ao Tratado Orçamental da dependência permanente!

Os gregos, na fase em que se encontra a Europa (a nível institucional e de organizações de base), para além deles próprios, apenas poderão contar com o apoio das opiniões públicas, cada vez mais despertas, é certo, mas praticamente inorgânicas e sem estruturas capazes de enfrentar os poderosíssimos interesses e lobbyes instalados. Não existe ainda e dificilmente irá existir num futuro próximo, a nível global, um apoio político consistente, formal ou informal, capaz de impulsionar ou ao menos suportar a aplicação de uma alternativa como a que o Syriza pretende protagonizar. Mesmo tendo em conta novas forças que despontam (como o Podemos em Espanha…) e que antecipam um movimento de mudança mais alargado por toda a Europa.

No final, a ‘experiência’ grega irá constituir um teste decisivo ao estado actual da democracia. Saber, antes de mais, se o princípio basilar da organização democrática de que ‘a política domina a economia’ – e não o contrário – ainda faz sentido e prevalece contra todas as ameaças. Avaliar a efectiva capacidade da política em resistir e libertar-se do abraço fatídico em que o neoliberalismo a tem manietado sob o logro de um inevitável realismo exclusivista, profundamente desumano e por isso anti-histórico, visando consolidar o ‘statu quo’ a que se alcandorou. E o que resta de autonomia aos povos para decidirem sobre o seu destino. Não se trata apenas de uma luta ideológica (no sentido diletante do termo), mas da vida real das pessoas, onde as opções livremente expressas definem o carácter democrático das decisões e dos povos. Difícil é, pois, saber, no meio de tudo isto, onde pára mesmo a democracia. Para que lado, enfim, penderá a dita vacina nesta democracia.


O que acontecer na Grécia nas próximas eleições, seja qual for a decisão assumida pelos gregos (cedam ou não à chantagem de Bruxelas), terá enorme repercussão no futuro da Europa (e da democracia europeia), mas terá relevância acrescida em Portugal – o ‘bom aluno’ da política de submissão de Merkel & C.ª – em eleições que irão confrontar a força e a coerência de toda a esquerda (em particular a esquerda radical - essa mesma, a do Syriza! - a começar pelo Bloco) e poderão ditar, também aqui, a recusa desta política. Cumprir o poder do povo onde tantos falharam – de Allende pela eliminação, a Miterrand pela capitulação – parece quase tarefa impossível. Mas talvez venha a propósito citar então Dilma Roussef: ‘o impossível se faz já, só os milagres ficam para depois!

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