Neste início do ano boa parte das
atenções mediáticas dos designados analistas políticos converge para um
evento que ameaça agitar o pensamento único das instituições europeias: as próximas
eleições na Grécia. Tudo aquilo que aqui
se disser sobre este assunto arrisca-se, pois, a ter já sido dito por outros, mas
ainda assim a importância do tema para o futuro da Europa e do mundo justifica
a sua abordagem, mais que não seja para se reafirmar e assumir uma posição num
tempo em que urge definir o lugar de cada um na luta política. Porque ‘estas’ eleições gregas e a
probabilidade, de acordo com as sondagens, de o Syriza as vir a ganhar, não
deixam ninguém imparcial. Por razões bem diferentes, tanto a direita como a
esquerda as temem e as desejam.
Só isso explica a inusitada ansiedade
que se apoderou da direita, misto do receio de tal solução poder vingar – pondo
em causa a pacatez actual do centrão! – e da aposta em que tal venha a descambar
num ansiado fiasco, seja pela via do caos como desejam que aconteça se um radical Syriza
levar por diante a sua intenção de se constituir numa verdadeira alternativa à
austeridade actual (desde logo liderando um difícil processo de reestruturação
da imensa dívida grega), seja mais pela esperada capitulação perante as
imposições de Bruxelas, numa nova e mais trágica versão ‘Hollande’. Transformar-se-ia,
assim, numa espécie de vacina para os demais países, em especial os restantes PIGS
do indisciplinado e preguiçoso Sul, de tal modo que, perante o desejado
descalabro desta solução, nenhum outro a venha a adoptar e todas as veleidades
de se encontrar uma alternativa à austeridade soçobrem perante a dura realidade!
Tudo isto, porém, pode ser
invertido e a vacina funcionar ao contrário dos vaticinados desejos desta
direita: em lugar de demonstrar ser inviável uma qualquer alternativa à imposta
austeridade actual, pode começar a gizar-se aqui precisamente o embrião de uma
saída democrática que tenha em conta as pessoas, ‘contra’ a submissão aos
mercados e o poder financeiro. A esquerda vive, pois, também ela, uma compreensível
e ainda mais elevada ansiedade. Sem contar com a falsa partida que constituiu a
eleição de Hollande em França (em que alguns vislumbraram a possibilidade de
uma saída para os impasses da situação actual), esta é a primeira vez que se
coloca a hipótese de vitória de uma alternativa de esquerda à até agora
absoluta dominação neoliberal do ‘não há alternativa’, mas a probabilidade de
sucesso, mesmo no caso de o Syriza ganhar as eleições, é deveras diminuta. Não
só porque, caso o consiga, dificilmente este atingirá maioria absoluta, mas sobretudo
porque as dificuldades que se antecipam em ser capaz de impor a sua alternativa
são enormes.
Desde logo porque o poder
instalado antevê como ninguém o que verdadeiramente vai estar em jogo: o seu
próprio futuro. Daí as pressões externas (UE, FMI…) e o condicionamento do voto
pela campanha de terror já em curso, por parte de Bruxelas e Berlim, contando com
o serviçal poder mediático, sobre os efeitos nefastos que a pretensão dos
gregos em decidir livremente podem acarretar à Grécia. O exemplo das sete
pragas do Egipto ali tão próximo seria coisa menor quando comparado com os
terríveis prejuízos que se abaterão sobre o País caso este ouse afrontar – em eleições
democráticas, registe-se – o estabelecido pelo supremo poder (não eleito) de
Bruxelas (ou Berlim?), recusando os programas aí definidos e opondo-se à dívida
impagável e ao Tratado Orçamental da dependência permanente!
Os gregos, na fase em que se
encontra a Europa (a nível institucional e de organizações de base), para além
deles próprios, apenas poderão contar com o apoio das opiniões públicas, cada
vez mais despertas, é certo, mas praticamente inorgânicas e sem estruturas
capazes de enfrentar os poderosíssimos interesses e lobbyes instalados. Não
existe ainda e dificilmente irá existir num futuro próximo, a nível global, um
apoio político consistente, formal ou informal, capaz de impulsionar ou ao
menos suportar a aplicação de uma alternativa como a que o Syriza pretende
protagonizar. Mesmo tendo em conta novas forças que despontam (como o Podemos
em Espanha…) e que antecipam um movimento de mudança mais alargado por toda a
Europa.
No final, a ‘experiência’ grega
irá constituir um teste decisivo ao estado actual da democracia. Saber, antes
de mais, se o princípio basilar da organização democrática de que ‘a política
domina a economia’ – e não o contrário – ainda faz sentido e prevalece contra
todas as ameaças. Avaliar a efectiva capacidade da política em resistir e
libertar-se do abraço fatídico em que o neoliberalismo a tem manietado sob o
logro de um inevitável realismo exclusivista, profundamente desumano e por isso
anti-histórico, visando consolidar o ‘statu quo’ a que se alcandorou. E o que
resta de autonomia aos povos para decidirem sobre o seu destino. Não se trata
apenas de uma luta ideológica (no sentido diletante do termo), mas da vida real
das pessoas, onde as opções livremente expressas definem o carácter democrático
das decisões e dos povos. Difícil é, pois, saber, no meio de tudo isto, onde
pára mesmo a democracia. Para que lado, enfim, penderá a dita vacina nesta democracia.
O que acontecer na Grécia nas
próximas eleições, seja qual for a decisão assumida pelos gregos (cedam ou não
à chantagem de Bruxelas), terá enorme repercussão no futuro da Europa (e da democracia
europeia), mas terá relevância acrescida em Portugal – o ‘bom aluno’ da
política de submissão de Merkel & C.ª – em eleições que irão confrontar a
força e a coerência de toda a esquerda (em particular a esquerda radical - essa mesma, a do Syriza! - a
começar pelo Bloco) e poderão ditar, também aqui, a recusa desta política.
Cumprir o poder do povo onde tantos falharam – de Allende pela eliminação, a
Miterrand pela capitulação – parece quase tarefa impossível. Mas talvez venha a
propósito citar então Dilma Roussef: ‘o impossível
se faz já, só os milagres ficam para depois’!
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