A recente investigação
jornalística sobre a dimensão e o funcionamento do imenso ‘off-shore’ que
constitui a praça financeira do Luxemburgo, mais do que expor ou descobrir
alguma novidade ainda não revelada, permitiu uma maior aproximação das pessoas
ao opaco mundo dos denominados ‘paraísos fiscais’, pilar básico dessa
globalização financeira na origem da actual crise global, levando-as
a compreender melhor para o que servem – e, sobretudo, a quem servem! Permitiu
explicar de forma concreta basicamente duas coisas:
·
Por um lado, as fortunas colossais que alguns
despudoradamente exibem, bem ao lado do esforço exigido à maioria para apenas
poder sobreviver, quando não mesmo vegetar na mais abjecta miséria;
·
Por outro, que o valor da enorme fuga aos
impostos assim legalmente permitida, tem
de ser compensado (ou reposto) pelos impostos exigidos (ou extorquidos?) à
enorme massa dos contribuintes – a quem legalmente
não é permitido fugir-lhes – dos países de onde elas provêm.
Não foi só o episódio do Luxemburgo
a relembrar, ultimamente, a existência desses esconsos paraísos fiscais, cuja
finalidade é precisamente ocultar a origem dos recursos financeiros aí sediados
e permitir-lhes privilégios tributários. Do já quase longínquo desmoronar do BES, aos recentes ‘vistos gold’ e agora ao novíssimo escândalo ‘Sócrates’, todos eles se encontram, directa ou indirectamente,
relacionados com contas ‘off-shores’
– privilegiados instrumentos utilizados para o branqueamento de capitais, fuga ao fisco e corrupção, suportados na
logística proporcionada por 72 destinos
a nível mundial, disponíveis à distância de um simples clique informático, ainda
que acessíveis apenas a um reduzidíssimo escol de pessoas! A absoluta
mobilidade de capital que permitem transforma-os na plataforma ideal de todas
as chantagens sobre os Estados Nacionais e no principal meio económico
utilizado pelas elites para garantirem o seu diferenciado estatuto social.
Nas sociedades actuais, dominadas
pelo capital, uma tendência sobressai de forma clara e chocante, o aumento
das desigualdades, na base dos rendimentos auferidos (seja qual for a
sua proveniência). Choca sobretudo que, num mundo caracterizado pelos imensos
recursos técnicos e produtivos, as diferenças de rendimentos entre as pessoas,
em lugar de diminuírem estejam a aumentar, com tendência para se aprofundarem
cada vez mais. Uma parte da teoria económica vê nisso até a causa da crise
endémica que persiste em afectar o mundo desenvolvido (sobretudo a Europa, é
certo, mas minando o conjunto em geral). Stiglitz, com ‘O preço da desigualdade’, arrecada o mérito de haver tratado o tema
de forma mais sistematizada, abrangente e autónoma. Mas outros o têm incluído
nas suas análises sobre assuntos diversos, dando-lhe relevância primordial.
O economista do momento, Thomas
Piketty, desenvolve o tema do livro que acaba de aparecer em tradução
portuguesa, ‘O Capital do Séc.XXI’,
em torno do problema da distribuição dos rendimentos. Através de um laborioso
trabalho estatístico comprova como só foi possível inverter a tendência para o
aprofundamento das desigualdades, que ocorreu ao longo do séc. XIX, por efeito
das duas guerras mundiais na primeira metade do séc.XX. Segundo ele foram as
transformações sociais e políticas a que deram origem, nomeadamente o processo
de descolonização e a luta por uma efectiva igualdade de género, que mais peso
tiveram na distribuição dos rendimentos, no sentido de uma maior igualdade, ao
invés do que apontavam as teorias mais optimistas do desenvolvimento
capitalista (como a de Kuznets) ao tentarem explicar que as diferenças se
esbatiam como resultado natural do próprio crescimento económico.
Não sendo de excluir a
deflagração de um conflito generalizado, contudo a probabilidade de isso vir a
acontecer nas actuais circunstâncias políticas e geoestratégicas – não obstante
os esforços em contrário de alguns (veja-se a agressiva política belicista da
NATO) – considera-se mínima. Mas os efeitos devastadores de um tal conflito não
deixam, ainda assim, sob formas diferenciadas, de se verificar a todo o momento.
Mais espaçados no tempo, menos cruentos nas suas manifestações externas, mas
não menos violentos para a vida das pessoas atingidas: pelos milhões de postos
de trabalho destruídos, de pessoas obrigadas a recorrer à subsistência no
exterior, de jovens a quem se cortaram as expectativas, emparedados entre um
quase (ultra)passado Estado Social saído da II Guerra e um futuro cada vez mais
incerto e longínquo…
Talvez que a principal glória dos
fanáticos do mercado seja mesmo a de terem conseguido introduzir no senso comum algumas falsidades
apresentadas como verdades absolutas. Hoje é comum ouvir-se falar nos efeitos positivos da globalização, pois
esta, dizem, tirou milhões da pobreza, sem curar de saber e se apurar o grau de
destruição, a nível do emprego e no Estado Social, provocado pela completa
mobilidade do capital. Para contrariar a chantagem que este exerce através da
ameaça de deslocalização em nome de melhores condições de remuneração, há que
instituir um princípio semelhante ao do ‘poluidor-pagador’, já universalmente
aceite e assumido, que obrigue o capital que destrói empresas e empregos e força
o esmagamento das compensações sociais do Estado, a pagar pelos efeitos da
destruição resultante desse movimento. O que passa, antes de mais, pelo
controle desses tais ditos paraísos fiscais, cuja viabilidade
depende ‘apenas’ da percepção, por parte dos decisores políticos mundiais, do
risco sistémico que correm (recordo, mais uma vez, que uma tal medida chegou a
constar de um plano de reformas aprovado pelos ministros das finanças da UE, em
10 de Novembro de 2008, no auge da onda de pânico gerada na sequência da crise
do ‘sub-prime’!).
Sem comentários:
Enviar um comentário