A grande mentira:
TINA
Como já por mais de uma vez se
afirmou aqui, a forma como a realidade da crise financeira actual – a crise
da dívida – nos é apresentada reduz-se a uma colossal mentira envolta numa
monstruosa construção ideológica para fins políticos. Resumidamente, de acordo
com o discurso dominante, o descontrole da dívida pública é o resultado de nos
últimos anos as pessoas terem vivido acima das suas possibilidades.
Em consequência, o reequilíbrio das contas só será possível através de
drásticos cortes na despesa pública, o que implica a aplicação de um inevitável
programa de austeridade (aumento de impostos e redução das prestações
sociais), pois não há alternativa à política visando conciliar o
rendimento disponível com o consumo efectivo, ou seja, na prática empobrecer
o País.
A simplicidade deste discurso,
aparentemente inquestionável na sua lógica cruel, parecia destinado, à partida,
à aceitação resignada pelos seus destinatários – os contribuintes – não fora
deparar com dois ‘pequenos’ pormenores: por um lado, a origem da crise
não é devida, muito menos redutível, à generalização apontada (todas as pessoas
viverem acima das suas possibilidades), mas antes à especulação financeira
e ao restrito número por ela beneficiado (esses, sim, vivendo largamente acima
das suas possibilidades); por outro, quem está a pagar a crise e a
sofrer os anunciados cortes (por via fiscal, laboral ou redução das prestações
sociais) – o trabalho – só marginalmente pode ser responsável por ela,
‘apanhados’ na rede mirífica tecida pelo marketing financeiro (‘compre hoje,
pague amanhã’). Estas duas conclusões cada vez se tornam mais evidentes
perante a opinião pública e a generalidade das pessoas e isso, conjugado com o
seu previsível agravamento nos próximos tempos, pode bem fazer a diferença no
desenrolar da situação.
Tanto mais que esta construção
básica da ‘inevitável austeridade’ e do ‘não há alternativa’ (o
famoso acrónimo thatcheriano ‘TINA’) não está sozinha na política portuguesa.
Encobrem-se propósitos pouco claros numa série de outras mentiras ‘auxiliares’,
não menos profundas e perigosas. Desde logo a que se tece em torno das ditas ‘reformas
estruturais’, que mais não visam, em síntese, que acelerar o processo,
aberto pelo dito ‘programa de austeridade’ (a pretexto de se cumprir o acordado
com a famigerada troika), de transferência de recursos do trabalho para o
capital, com o objectivo da recomposição do poder financeiro, abalado pelo
jogo mal sucedido do casino em que se transformou a especulação mundial. Pela
sua importância, dar-se-á adiante um maior destaque a este ponto.
Descobre-se o embuste na
tentativa de se alterar o sentido a expressões consolidadas. Como é o caso da
recente discussão em torno dos ‘direitos adquiridos’, glosada,
por exemplo, nas inúmeras aparições e outras intervenções em que Isabel Jonet,
a conhecida impulsionadora do Banco Alimentar, se desdobrou nos últimos tempos.
Para esta corrente, os direitos adquiridos do âmbito da solidariedade
social, mesmo que garantidos constitucionalmente, devem ser entendidos como
benesses e regalias, sujeitos, portanto, às mudanças de
orientação política que, sob pretexto ou não da carência de recursos, os podem
atribuir, reduzir, retirar,... Já os direitos adquiridos pelo poder financeiro
(créditos ou parcerias), de modo algum devem ser postos em causa, por temor
aos mercados... À garantia republicana e constitucional da solidariedade,
contrapõe-se o valor cristão da caridade!
Recorre-se, com frequência, a terminologia equívoca para expressar
conceitos e abrir caminho a práticas não aceites de outro modo. Ou prefere-se a
utilização de expressões menos hostis, para não irritar os mercados!
Qual a diferença, por exemplo, entre ser imprescindível ‘rasgar o
memorando’ ou ‘negociar um novo’? À parte a maior agressividade que
parece contida na primeira expressão, ambas traduzem, na sua essência,
rigorosamente o mesmo. A primeira é, como se sabe, utilizada pelo PC e BE; a
segunda tem vindo a ser adoptada cada vez mais no discurso dos responsáveis do
PS (António Costa e o próprio Seguro). Mas tem servido de desculpa para as
‘esquerdas’ não terem conseguido, até à data, estabelecer uma plataforma de
entendimento sobre este crucial ponto da actualidade política, da vida das pessoas.
(...)
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