sábado, 10 de março de 2012

Democracia ou mercado – a alternativa de uma opção inadiável – II

O mercado contra a democracia

Contra todos os fundamentalismos de mercado (dos negócios, da política, da ideologia,...), foi a intervenção do Estado, pois, que salvou o sistema da derrocada que a Grande Depressão parecia ir provocar. Mas se as lições da História facilmente se esquecem, mais difícil se torna apagar-lhe os traços culturais entretanto impressos, sobretudo se estes se traduzem na difusão de novos saberes, técnicas ou modos de vida. A maior presença do Estado nas sociedades, contribuiu para alargar de forma decisiva o acesso aos avanços da ciência e do progresso, expressa na fixação de um novo patamar de direitos públicos na construção do Estado de Direito, os direitos sociais (depois da conquista dos direitos civis e dos direitos políticos). 

A luta contra o Estado esconde sobretudo o propósito de se substituir a política pelo mercado. A de se considerar o mercado imprescindível à democracia, pois só ele permitiria a liberdade económica. O que a prática política indica, porém, para além de qualquer polémica ideológica, é que, no final, por esta via o mercado substituiu a democracia na maior parte das decisões sociais e políticas. Seja no espaço nacional ou nas instituições internacionais. Tudo na actualidade se subordina às regras do mercado global. Sob a capa de aparentes soluções técnicas pretende-se fazer passar a ilusão da falsa isenção das opções políticas.

Importa frisar agora e sempre: o domínio do mercado não é uma mera abstracção ideológica, tem expressão concreta na criação e manutenção dos privilégios da minoria que o defende e na degradação ou mesmo destruição dos direitos sociais da imensa maioria que o ignora (ou ‘finge’ ignorar-lhe os efeitos, por via da cerrada manipulação mediática de que é vítima). Em nome dos mercados, impõem-se programas de austeridade sobre cidadãos que em nada contribuíram para os desequilíbrios financeiros que lhe servem de pretexto, mas garante-se a manutenção e até o reforço de faustosos estilos de vida exclusivos a certas camadas da população, pouco ou nada afectados pela Crise.

Não surpreende, pois, a defesa acérrima dos mecanismos do denominado ‘mercado livre’, por parte dos seus principais beneficiados ou dos que, de algum modo, tiram partido dessa situação. No contexto da UE, o seu paradigma é o famoso art. 107 do Tratado de Maastricht (replicado no de Lisboa) que estabelece a autonomia do BCE perante o poder político e os Estados, prerrogativa que nenhum outro sistema financeiro nacional admite. Autonomia que o autoriza a ceder fundos a 1% aos bancos comerciais, para estes os emprestarem a taxas 3, 4 ou mais vezes superiores aos Estados, que, por sua vez, se encarregam de extorquir das respectivas populações os recursos para fazer face a tal transferência de valor, num ignominioso processo de recapitalização bancária feito à custa do agravamento das condições de miséria da grande maioria das pessoas!

Nada, porém, de muito surpreendente ou fora de vulgar, tendo em conta o cabalístico e esconso contexto financeiro em que tudo isto se processa. Perante os efeitos já conhecidos da crise nele gerada, escasseiam os adjectivos para qualificar a manutenção de uma situação socialmente ruinosa. Recorde-se que o sistema financeiro paralelo (‘shadow banking system’ e as célebres OTC fora de qualquer controle, à cabeça os opacos Hedge Funds e as famigeradas praças ‘off-shores’) representava, em 2007 (segundo o insuspeito Federal Reserve Bank de Nova Iorque), quase o dobro das transacções inscritas nas contas do sistema bancário, estimando-se que ainda hoje, depois da crise e dos ajustamentos subsequentes, as operações ‘clandestinas’ sejam superiores às registadas em mais de 20% – com nefastas repercussões na consequente e colossal evasão fiscal e no branqueamento das redes criminais!

Tudo isto foi (é) possível por o mercado se haver substituído à democracia! Por se considerar possível, até desejável, que as regras ‘automáticas’ do mercado se sobrepusessem ou pudessem prescindir do controle das regras democráticas. Por se aceitar que a determinante económica, sem dúvida a base real da sociedade, assumisse igualmente o papel de dominante política, sob comando absoluto do mercado, actuando sem tutela nem controle.

Os resultados estão à vista: o sofisticado exclusivismo do modo de vida de uma escassa minoria assim conseguido (planeado de forma intencional), só tem paralelo no extremar das desigualdades sociais, no acentuar da degradação ambiental, na criação até de inultrapassáveis impasses económicos ao... próprio mercado!
(...)

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