quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O discurso milagreiro da competitividade - I


Os 'donos da bola'

Não há, hoje, indicador económico mais visado, a nível dos objectivos prosseguidos, das políticas a desenvolver ou das análises críticas, venham elas da direita ou da esquerda, que o da competitividade, seja nacional, empresarial ou mesmo individual. A competição ergue-se como o supremo critério de validação da acção política, todas as medidas são tomadas em nome da melhoria da posição competitiva do país, tudo se subordina a esse imperativo de ‘sobrevivência na selva’ que é a capacidade de cada grupo ou indivíduo superar os feitos dos ‘outros’.

A competição, é certo, faz parte da vida, não é possível fugir a ela. Dir-se-á mesmo ser essencial ao desenvolvimento, sem ela não haveria progresso por ausência dos indispensáveis estímulos. Aparentemente, pois, todos a aceitam, ou a ela se sujeitam. Com base no argumento de ser ela que melhor consegue atingir os níveis de eficiência que modelam e onde assenta a evolução da Humanidade, a que mais contribui para melhorar as condições materiais do homem.

Desenvolvem-se competências individuais, exploram-se as vantagens comparativas nacionais. O objectivo é criar melhores condições para competir, para vencer a concorrência, seja na disputa de um lugar ou emprego numa empresa, ou na colocação de um produto ou serviço no comércio mundial. Este modelo, levado ao extremo no sistema capitalista, proporcionou desenvolvimentos ímpares na História da Humanidade. Contudo, ao acentuar a selecção dos mais capazes produziu igualmente a exclusão, ao fomentar a inovação e a criatividade incentivou o desperdício. Não é, pois, apenas de benefícios ou aspectos favoráveis que é possível (e se deve) falar quando se aborda o tema da competição, existe um outro mundo, não menos impactante, para além dos êxitos que, justamente ou não, lhe são atribuídos.

Para além do sobe e desce das estatísticas e do relativismo que as caracteriza (diferenças de sector para sector, de região para região,...) – quando não mesmo da sua manipulação – importa então considerar pelo menos três níveis na análise da competição e da competitividade:
1.      Quem dita as regras do ‘jogo’ (o ‘jogo competitivo’)
2.      Quem suporta e lhe sofre os efeitos
3.      Que sequelas produz (para além das que a propaganda liberal difunde)
Fixemo-nos, por ora, no primeiro ponto, tentando perceber como é que as regras da competição surgem e quem as produz.

Na competição, como na vida em geral, quem manda são os ‘grandes’, são eles que detêm o poder, ditam as regras e estabelecem as condições para o seu exercício. São os ‘donos da bola’ das brincadeiras de crianças. No que respeita ao denominado ‘desenvolvimento capitalista’, a competição fomentou e produziu sociedades duais, constituídas na sua essência por um centro industrial e tecnologicamente evoluído (o dos grandes operadores, países ou empresas) e uma periferia fornecedora de recursos, materiais e humanos, de pendor mais consumista (pontuada aqui e ali com laivos tecnológicos do centro).

A evolução dos últimos trinta anos, com a ‘desregulação dos mercados’, propiciou (entre outros) dois movimentos essenciais. Por um lado, o dualismo capitalista alastra ao interior das empresas e dos países, extremando as desigualdades sociais. Por outro, a grande Finança assume o controle global das economias, dando lugar à financeirização total das sociedades: tudo se encontra dependente do sector financeiro (e do que nele aconteça), é ele que comanda as necessidades tanto dos povos como dos indivíduos, que regula a produção e o consumo, que dita as regras de convivência social e rege a própria democracia. O comando político deixou de pertencer à democracia institucional transformada em mero auxiliar mediático do poder financeiro.

A captura do Estado pelo poder económico foi expressivamente documentada pelo ‘grande’ Warren Buffett, ao afirmar que ‘é tempo de os políticos pararem de mimar os ricos’! Assim, é difícil de aceitar que o Estado se mantenha neutro no papel de árbitro que é suposto exercer: a sua falta de isenção na definição das regras do jogo tende, aliás, a ser favorecida por elevados níveis de corrupção e excesso de burocracia. Mas mesmo que desempenhasse com isenção e eficiência esse papel, dificilmente o jogo deixaria de estar viciado, pela simples razão de que, quem manda dispõe de outros argumentos (nem sempre legais, quase nunca éticos) para impor os seus pontos de vista e ganhar. O desvelo com que o actual governo mima as empresas e os ricos (na razão directa da sua dimensão e poder económico) e despreza quem ‘apenas’ trabalha é disso boa prova!


(...)

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