A falência das teorias dominantes
A realidade económica e social nunca é a reprodução fiel
do que a política (mesmo a das políticas económicas – ou das economias
políticas?) quer fazer dela. Assiste-se hoje a uma espécie de ‘braço de ferro’
entre as duas teorias económicas que têm dominado a política do mundo ocidental
nos últimos 80 anos (pelo menos): de um lado, claramente na ofensiva, o liberalismo,
com o primado do mercado, livre de interferências externas; do outro, em
posição política defensiva (mas em crescendo ideológico) o keynesianismo,
com a defesa da intervenção do Estado, indirectamente através da
regulação do mercado, ou mesmo, quando necessário, pela via dos investimentos
públicos directos. Objectivo comum, o crescimento, na busca do progresso
e da maior satisfação das necessidades.
O debate que hoje se trava em
torno do endividamento crescente dos Estados mais não visa, afinal, que o
relançamento económico com vista à retoma do crescimento. Dos planos de
austeridade advogados pela corrente liberal (tendo em vista controlar os
défices supostamente gerados por políticas expansionistas), às propostas de um
maior apoio público à economia (única via, advogam, que pode criar as condições
para se pagarem as dívidas contraídas em resultado de tais défices). A
realidade ora parece dar razão a uns em detrimento dos outros, ora garante que
o rumo seguido irá descambar na catástrofe.
Nunca como agora, é certo, essas
diferenças na forma de encarar a acção política no campo da economia pareceram
expressar-se de forma tão extremada, trazendo à memória os tempos de emulação
com o extinto sistema comunista soviético, cuja erradicação (por implosão)
alimentou durante algum tempo a generalizada suposição de não haver alternativa
ao capitalismo. Só até à eclosão, no entanto, da mais grave crise do sistema,
posto à beira do colapso, mas cujo desfecho parece confinar-se, por agora,
entre o aprofundamento do modelo liberal que a gerou (ainda com maior
desregulação?) e o retorno ao ‘velho’ modelo keynesiano (maior intervenção
pública na economia, em período de graves desequilíbrios financeiros?).
O objectivo do crescimento, esse,
é que parece mesmo cada vez mais arredado de se alcançar, tanto nos países
ditos em dificuldades como nos que aparentemente se encontram ainda livres
delas (mas cujo destino a decantada globalização uniu ao destino dos mais
fracos). O que afinal parece estar por trás de toda esta crise e a ser posto em
causa, reflectido nas diferentes teorias para sair dela, é o crescimento, ele
mesmo. O que implica dever questionar-se o modo de vida assente no motor do
sistema, o crescimento contínuo. Mas se isso é assim, então é o próprio
sistema que merece ser controvertido, que parece estar a chegar ao fim.
Mais que uma crise financeira,
mais até que uma periódica crise económica, trata-se, pois, de uma
profunda (e já genericamente admitida) ‘crise sistémica’, é o próprio
modelo de desenvolvimento assente no crescimento contínuo que se encontra posto
em causa, esta é ‘a Crise do crescimento’. Em lugar de se falar
em ‘crescimento sustentável’, deve antes afirmar-se que o ‘crescimento’ deixou,
por natureza, de ser sustentável. Por força das dinâmicas instituídas,
percebe-se a urgência actual na sua persecução, seguramente durante algum tempo
mais (quanto mais?) o crescimento será ainda necessário, por forma a
permitir-se a acomodação da tendência que o estabelecia como ilimitado e a
adaptação a um novo modo de produção baseado no realismo de recursos
limitados.
(...)