quarta-feira, 6 de julho de 2011

O Euro ‘alemão’ na armadilha do crédito

A crise actual teve origem, como se sabe, nos EUA, mas rapidamente atingiu a Europa a ponto de, agora, ser nesta que mais se faz sentir. Pelo menos é nela que, por enquanto, mais se centram os meios que a amplificam, da deletéria acção das agências de ‘rating’ à urdida intermediação da comunicação social. Começou pelo rebentamento da bolha imobiliária dos ‘sub-prime’, rapidamente se transformou numa amplificada crise financeira mundial, para se transferir e estacionar, nos últimos meses, na crise das dívidas soberanas da periferia da Europa. O que inicialmente podia vir a ser uma profunda crise do dólar, afinal depressa se converteu na prova de sobrevivência do Euro, fruto de dinâmicas próprias ou tramas alheios.

A componente europeia da crise tem vindo a desenvolver-se em torno de duas questões principais interligadas: uma atribulada construção do Euro (e do projecto europeu), de par com o endividamento excessivo de alguns Estados e dos particulares, um pouco por toda a parte. Contudo, do emaranhado caótico de informações que a turbulência destes dias tem produzido, começa a evidenciar-se e a ganhar forma na consciência das pessoas uma ideia mais definida do que se encontra em causa nesses dois pontos: que o projecto do Euro (e da própria UE) foi gizado e tem vindo a efectivar-se de acordo com o perfil e os interesses da Alemanha (ainda aqui, de uma certa Alemanha!); que o endividamento constitui a via a que o sistema recorre, esgotados outros meios, para ultrapassar os inevitáveis bloqueios de uma procura solvente.

A conjugação do aumento desigual da produtividade (em benefício dos países de especialização produtiva de maior pendor exportador, como é o caso alemão), com a redução do peso do trabalho na repartição do PIB (a que se assistiu ao longo das três últimas décadas por força da aplicação das doutrinas neoliberais), determinaria uma forte contracção da procura não fora o recurso ao estratagema (ou armadilha) do crédito barato. Na realidade, não foram as pessoas que procuraram o crédito, o crédito é que foi (literalmente) ao encontro das pessoas, ‘oferecido’ pelas Instituições Financeiras – as únicas a lucrar com este esquema – em campanhas de promoção agressivas e de elevado risco, como veio a comprovar-se.

O papel dos Estados, nas circunstâncias e sob o efeito das mesmas doutrinas, foi o de servilmente ‘colaborarem’ nesta monstruosidade através da destruição do edifício normativo (a desregulamentação financeira) erguido sobretudo em resultado da Grande Depressão, ao mesmo tempo que, endividando-se também, tentavam manter, por forma a não alienarem as suas bases eleitorais, os serviços mínimos do Estado Social.

Entretanto, o nível de irracionalidade a que chegou a situação actual na questão das ‘dívidas soberanas’ é de tal ordem que leva mesmo pessoas razoáveis a tentarem encontrar explicação, sem quaisquer dados de suporte, numa hipotética ‘conspiração contra o euro’ e a própria integração europeia. A isso induz a acção e a disposição (desconfiada, agitada, nervosa,...) dos famigerados mercados – essa abstracção sem rosto, mas não desprovida de emoções – a qual permite o exercício de se descortinarem por trás dela cavilosas artimanhas! Mantidos à solta, actuando sem regras e ao sabor dos interesses que os dominam, os ditos mercados transmitem a sensação de encobrirem obscuras manobras, geridas por entidades misteriosas, mas com objectivos bem definidos e pensados. Os políticos não passariam, nesta perspectiva, de títeres manipulados sem capacidade de intervenção. Sempre lestos a agitar, como forma de chantagem sobre as pessoas, o exemplo dos gregos – metecos no seu próprio país, párias na Europa que criaram (a começar pelo próprio nome).

Mesmo depois de já se saber o que irá acontecer à Grécia e, muito previsivelmente a mais uns quantos países europeus, em resultado da acção espontânea dos mercados (!), continua a vingar a tese de que a solução passa pela saída total do Estado da economia, deixando aos privados (leia-se, capital financeiro) a tarefa de esfrangalharem os restos que sobram desta operação monstruosa iniciada nos já longínquos 70, amadurecida nos 80, aprofundada nos 90 e acabada já nos inícios deste século, com enorme estrondo, diga-se, no meio de uma crise de que se não vê saída, presa na voragem das políticas que a originaram!

Para já, por via do endividamento atingido (Estados e particulares, ambos caídos na armadilha do crédito barato), foi posto em causa o projecto europeu – seja qual for o conteúdo defendido para esse projecto – mas desde logo ‘este’ feito à imagem e para servir os interesses alemãs (e afins).

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