domingo, 10 de abril de 2011

Sobre a crise do trabalho – II


A extensão das desigualdades


O aspecto mais vulgarmente destacado do actual processo de globalização pode muito bem ser o impressionante aumento da riqueza, gerado por efeito da intensificação das relações comerciais e – comprovou-se agora da forma mais dramática – das habilidades criativas de uma gestão financeira sem controle, responsável para já pela destruição de um colossal volume de recursos à escala global.

A crise do ‘sub-prime’, inicialmente passível de ser confinada a um sector específico (imobiliário) e a uma determinada zona do globo (EUA), como já o fora noutras situações e ocasiões (Japão, Extremo Oriente, América do Sul,...) – à partida, portanto, de uma dimensão relativamente modesta à escala planetária – teve o condão, desta feita, de pôr a nu as vulnerabilidades de um sistema financeiro, construído sem freios nem regras, por uma autoproclamada elite de gestores apenas empenhada na maximização do seu proveito pessoal imediato. Capaz de soçobrar na voragem de uma qualquer crise periódica, como a referida, não fora a intervenção e os apoios financeiros maciços dos sempre muito denegridos Estados terem evitado – à custa dos recursos públicos, registe-se – a sua mais que certa e eminente derrocada.


Apenas na aparência, portanto, a riqueza gerada por ‘este’ processo de globalização (de total supremacia do poder financeiro sobre o comercial) consegue evidenciar mais do que realmente é: uma enorme bolha pronta a rebentar à primeira contrariedade, incapaz de resistir ao tempo e às intempéries, tanto as naturais (muito por efeito do desgaste rápido a que os recursos estão a ser sujeitos), como as provocadas por esta liderança que acoberta a acção que desenvolve, essencialmente orientada para o interesse pessoal, na ideologia de um pretenso liberalismo político, posto que reduzido aos seus aspectos económicos.


O que decerto não desaparecerá tão cedo é a desigualdade extrema que resulta de tal processo – e o prolongamento dos seus efeitos na coesão social e na própria democracia. Assiste-se a uma gradual transferência de rendimentos entre países (Norte-Sul), entre grupos sociais e classes profissionais dentro do mesmo país, contribuindo para o aumento, sem paralelo na história do capitalismo, das desigualdades de rendimentos.


Hoje, com a experiência dramática da crise em fundo, já é comum ouvir dizer-se que a globalização, em lugar de contribuir para atenuar as diferenças existentes, acentuou o fosso entre ricos e pobres, como o próprio Secretário Geral do FMI ainda recentemente o admitiu. Este responsável máximo de tão insuspeita organização foi mesmo mais longe ao considerar que à "mundialização do comércio" – normalmente "associada a uma queda das desigualdades" – opõe-se uma "mundialização financeira, que as acentua". Que apenas vem corroborar o que já toda a gente sabe: o enriquecimento de uns poucos é feito à custa da pauperização da maioria.


A severidade da crise e, a pretexto dela, a profundidade da austeridade, acentuaram este confronto, aparentemente contraditório com o quadro de restrições que, numa democracia, seria suposto dever impor-se à generalidade dos cidadãos. Ao lado de privações extremas, não raro deparamos com situações em que nenhuma carência, porventura até uma ainda maior opulência, é possível detectar. No contexto ideológico actual, contudo, qualquer reparo em contrário ou simples estranheza pela magnitude das disparidades, corre de imediato o risco de ser apodado de demagógico e populista. Ou arrasado com o argumento, sempre eficaz, de se tratar da velha e fatal pecha nacional (!), desse tão mesquinho sentimento atávico da inveja pelo sucesso alheio (!!!).


A continuidade deste processo de acumulação, através da brutal transferência de riqueza dos mais pobres para os mais ricos – que, no quadro desta globalização, se afigura difícil de inverter – tem como consequência lógica inevitável (nunca a palavra foi empregue com tanta propriedade!) debilitar a coesão social e abalar os fundamentos da democracia.

(...)

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