O slogan ‘enough is enough’ da campanha de Bernie Sanders, rumo à eleição presidencial de Novembro próximo,
nos EUA, parece particularmente ajustado à situação global da política mundial.
Onde quer que seja, qualquer que seja o motivo, seja qual for o momento ou como
quer que a ocasião se proporcione, uma raiva contida ecoa cada vez mais neste
grito de revolta do candidato democrata. Com a paciência a esgotar-se por toda
a parte perante a violação constante e impune dos limites da decência (aumento
da desigualdade, corrupção institucionalizada, a mentira como programa político…),
já nem os esforços da propaganda mediática – sempre pressurosa na explicação,
justificação e defesa dos patronos que a sustentam – parecem capazes de suster ou
ludibriar aquilo que se afigura a torrente imparável de uma crescente exigência
social.
Este grito surgido quase em jeito
de desabafo afigura-se sobretudo bem apropriado ao momento da actual UE, onde a
realidade é apresentada/ transfigurada em função dos interesses financeiros regionais, de matriz teutónica, que
a controlam. À medida que se foi percebendo que o
OE/16 iria passar em Bruxelas apenas com alguns ajustamentos (habituais na
circunstância), a frente interna dos interesses (próprios e alheios) agitou-se
nervosa e, receosa de perder a oportunidade de voltar quanto antes ao poder
perdido, decidiu jogar alto. Ao fazê-lo, porém, expôs as suas motivações e
objectivos, desmascarou-se (se é que era necessário). É tempo, pois, de juntar
a voz à de muitos democratas do outro lado do Atlântico e gritar com Bernie
Sanders: já chega!
Já chega de mentiras proclamadas sem pudor nem
temor, ‘apenas’ porque quem as profere sabe que detém o poder real que comanda as
decisões que contam – e em boa medida as vontades e consciências: das já ‘quase’
esquecidas promessas eleitorais não cumpridas, aos cortes temporários para
consumo interno (até por força constitucional) mas apresentados em Bruxelas como
definitivos e incluídos no designado ‘défice estrutural’, às nunca explicadas 'novas' medidas tendentes ao corte permanente (estrutural) de 600M€ nas
pensões (que a dupla Coelho/Portas se preparava para concretizar, caso fosse
poder)...
Já chega de mistificar a realidade ajustando
os factos e as situações ao interesse ou objectivo do momento: a campanha da direita
sobre um ‘enorme’ aumento da carga fiscal no OE/16 parece mais uma tentativa
serôdia para justificar o ‘colossal
aumento de impostos’ de V. Gaspar
no OE/13 e só razões de má consciência dos seus autores pode explicar tal
despautério, já que pouco ou nada tem a ver com a substância do orçamento em
análise (como o demonstra a conclusão tirada pela própria UTAO).
Já chega de manipulação mediática e da
pantomina do jornalismo isento
– e dos jornalistas imparciais, sempre couraçados num tão epidérmico quanto
descabido corporativismo – ou do comentário
objectivo – seja de economistas, politólogos e demais ‘cientistas’
afins! De insistirem na ladainha TINA, desvalorizando a democracia (termo
utilizado a cada passo nas frases que debitam nos órgãos de comunicação que os
alimentam) e a inteligência dos interlocutores que ainda têm paciência para os
aturar.
Já chega de aceitar como normal ou tão só
tolerar as pressões da direita,
dentro e fora do País, sobre as instituições europeias, as agências de rating, os
mercados… Aparentemente apenas motivadas
pelo objectivo de recentrar a prioridade da política actual na redução do
défice público (como exigem os especuladores, perdão, credores), ao invés da
actual reposição de rendimentos e da luta contra as desigualdades, o resultado,
em última análise, cifra-se no agravamento das condições financeiras impostas a
Portugal por via da… especulação! Esta atitude, mesquinha e traiçoeira, visando
justificar apenas opções partidárias (ou a defesa inconfessável de interesses
delegados), só pode suscitar em gente decente a maior repulsa por tão insidiosa
perfídia!
Já chega, pois, de chantagem sobre a democracia (reduzida a mero formalismo eleitoral), sobre os países, sobre a soberania dos povos, sobre a democracia de
Portugal soberano, atiçando os mercados e os especuladores, ameaçando com a
subida de ratings ou a suspensão de apoios, quase apelando às instâncias
europeias para uma intervenção impiedosa – e tudo dentro dos cânones de uma
doutrina que já mostrou não resultar.
Já chega da despudorada ditadura dos mercados, da total submissão
do poder político ao poder económico: por uma vez – desta vez – foi visível o
despeito, dir-se-ia o ciúme, manifestado pelo patronato por o PS, em lugar de
chegar a acordo, como de costume, com a direita para uma solução governativa, o
ter feito – pasme-se! – com os ‘grupos esquerdistas’ (!!!) do Parlamento! Essa
pode ter sido, talvez, a maior vitória a que se assistiu neste ainda muito
embrionário processo e é esse novo ambiente político que melhor explica a
afirmação de António Costa de que ‘o OE/16 ficou pior depois das exigências de
Bruxelas’.
Já chega, enfim, de humilhação produzida pela globalização
da indiferença (Papa Francisco dixit); do aumento constante das desigualdades e
até da insultuosa promoção de políticas para empobrecer (!); de se viver
pendurado na corda bamba da especulação financeira (e ao sabor dos seus
volúveis humores); da impunidade perante a obscena ‘optimização fiscal’ – com
suporte legal na ‘concorrência fiscal’ entre países, até mesmo dentro da UE – permitindo aos mais ricos
(e só a eles) a fuga de milhares de milhões de euros às suas responsabilidades
sociais…
Já chega, em especial, de
condescendência/ reverência/ subserviência perante o pesporrente Schauble, ao que parece apostado em impor à
Europa um novo jugo feudal sob tutela germânica, agora que a enorme exposição
aos mercados por parte do Deutsche Bank ameaça rebentar-lhe na boca – e é pela
boca que morre o peixe! Perante as malfeitorias já praticadas (a destruição da
Grécia é apenas o exemplo mais paradigmático), não é de todo desapropriado,
atribuir-lhe o epíteto que à época representava a origem de todos os males: a besta!
Mas já agora, à esquerda –
importa afirmá-lo, também – já chega de demonstrações sectárias ou de excesso de zelo, as mais das vezes
inúteis ou de nulo efeito prático, apenas esgrimindo ou alardeando sucessos
colectivos como feitos próprios, ou reivindicando mais do que aquilo que se
sabe ser possível obter, nas actuais circunstâncias, numa tão inoportuna
quanto contraproducente concorrência partidária, sem nexo mas perigosa.
Já chega...
BASTA!!!