sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Os ‘milhões da treta’

Nunca como desta vez o Presidente do FCPorto foi tão oportuno... denunciando-se. Ao falar em ‘milhões da treta’ a propósito de um negócio alheio (ainda que da área desportiva), revelou estar por dentro das manigâncias, do ‘gato escondido’, deste tipo de negócios. Porventura realizá-los também. A avaliar pelos contornos de alguns em que se encontra envolvido...

Agora que se esclareceu o perfil do tal negócio objecto do referido comentário, espera-se que a CMVM demonstre a mesma pronta e pressurosa actuação no apuramento de outros tão ou mais estranhos que este e inicie investigação adequada para os clarificar, arredando assim qualquer suspeita que sobre eles paire.

O facto de vivermos num país lamentavelmente dualista, a começar pela economia e a distribuição da riqueza – os ricos cada vez mais ricos, os pobres... – não pode servir de pretexto para que essa pecha se estenda às demais componentes sociais, em especial à justiça (nas suas três vertentes: legislar, aplicar e fiscalizar). Se bem que a experiência corrente não abona muito em favor da sua isenção, na opinião pública encontra-se até enraizada a crença contrária, a de que a justiça tem duas caras conforme os ‘acusados’.

Certo é que, se quiser ser coerente, não faltarão ‘casos’ à CMVM para investigar junto de quem demonstra saber do que fala, quando fala em ‘negócios da treta’. A começar pelos últimos, os mais recentes, já que sobre os restantes parece existir um misterioso manto legal(?) protector, tecido a partir de ‘banalidades’ processuais (pelo menos em confronto com a substância apurada), não obstante todas as evidências patenteadas.

Por estranho decreto, encontra-se instituída a regra de tudo se permitir a determinados figurões, que ganharam o invejável estatuto de impunidade que os torna imunes à lei, digam eles o que disserem (e, em muitas situações, façam eles o que fizerem), bem alimentado pelos ‘media’ por verem aí uma inesgotável fonte de vendas. Esse estatuto especial, entre nós, não sendo exclusivo, é hegemonizado claramente, a nível político pelo Jardim da Madeira, a nível desportivo pelo Pinto do Norte. E se as picardias do primeiro, acompanhadas ou não pela bravata chantagista da ameaça de independência para a ilha, deixaram há muito de ter piada pelos custos que, por norma, acarretam para os contribuintes (a maioria do ‘contenente’ decerto até veria com bons olhos a concretização daquela ameaça), já quanto ao segundo é-lhe apenas atribuída, quando muito, uma tão irritante quanto rançosa faceta histriónica – sempre a meter o bedelho onde não é chamado, com piadas gastas da geral!

Nada mais errado, porém. Tenho sustentado que uma das razões para a derrota do projecto da regionalização, foi o mau exemplo de ‘regionalistas’ como Pinto da Costa. Não a única, claro, nem talvez a principal, mas sem dúvida que o feroz ‘extremismo’ demonstrado por tal arauto de uma causa que poderia ter contribuído fortemente para se minimizar a crescente desertificação com que o interior do país se vê confrontado, terá levado muita gente a abster-se ou mesmo a votar contra no respectivo referendo, com receio de tais exemplos poderem vir a disseminar-se.

À parte os efeitos que decorrem da componente desportiva para o resto da sociedade (tudo, afinal, se interliga com tudo), aqui importa sobretudo alertar para a eventual duplicidade na actuação das entidades a quem cabe fiscalizar (sejam as finanças ou 'tão-só' o desporto). Ao menos para evitar que se diga existirem ‘duas justiças’, a nível económico, desportivo,...

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Mágoas e sorrisos neste ‘quente’ verão cinzento

Apanhado entre duas saídas, não resisto a rubricar aqui a primeira impressão deste Agosto que agora desponta. Início de mês e da semana, para a maioria o começo das férias, logo de manhã a ânsia informativa leva-me às notícias dos canais televisivos. Domina o acordo obtido pela madrugada entre democratas e republicanos sobre o aumento da dívida norte-americana, são conhecidos novos elementos que indiciam o agravamento da situação social na Síria (já com mais de uma centena de mortos apenas nos últimos dias), opositores detidos em Moscovo, a polémica Portas-Jardim ou o início das dissensões no seio da maioria, a troika de volta para fiscalizar a aplicação do memorando (1ª avaliação trimestral de bom comportamento), o BPN entregue de ‘borla’ pelos amigos de Mira Amaral aos angolanos do BIC, os transportes públicos mais caros a partir de hoje com aumentos que chegam a ultrapassar os 20%,...

Ressuscita a Comissão de Utentes da Ponte 25 de Abril para organizar novo buzinão contra a quebra da tradição de não se pagarem portagens durante o mês de Agosto. Mas os murmúrios e os sinais de um crescente mal-estar geral – que se sente mas ainda não é bem visível – parecem, por enquanto, mais de expectativa do que de tensão.

Por entre o amontoado de notícias e reportagens, porém, nenhuma me prendeu mais a atenção do que o directo obtido numa estação de comboios dos subúrbios de Lisboa. A propósito dos atrasos provocados por obras na via, com os ‘normais’ impactos negativos no quotidiano dos utentes (ficamos a saber que a CP ‘culpa’ a Refer pela situação...), a repórter interroga uma senhora sobre os novos aumentos tarifários. A resposta, serena e dorida, de alguém que vive sozinha por conta de um rendimento mensal à volta dos 600€, informa-nos que o aumento do seu passe se cifra em 8,25 euros!

A serenidade melancólica e o dorido sorriso que se escapam do rosto da interpelada enquanto responde às perguntas que lhe são postas, contrasta com a dramática realidade contida nestes números. Quase que chega a ser chocante e é decerto incompreensível a infinita paciência e a capacidade de resignação demonstradas neste instantâneo, obtido numa manhã cinzenta deste Agosto farto de míngua. Esta é, sem dúvida, a imagem de um certo país real que tantos dizem saber interpretar. Ao lado, é claro, dos que tiram partido da situação e amealham à conta da penúria, como o refere a notícia de há dias de os mais ricos terem, em 2010, aumentado os seus proventos em mais de 17%!!!

Não posso deixar de me interrogar sobre se esta é mesmo a única imagem do país real. Ou se, para além das esperadas movimentações institucionais (partidárias, sindicais, corporativas,...), os que sofrem os efeitos desta austeridade sem sentido vão aguentar durante muito mais tempo o peso da catadupa de medidas que já levam mais de dez longos anos de ininterruptas vagas de agravamento, mas que parecem ter apenas agora começado. Ao brutal e inédito aumento dos transportes, segue-se a privatização do que resta de rentável do sector público (fragilizando, em nome da ideologia responsável pela crise – é bom sublinhá-lo as vezes que forem necessárias – a capacidade financeira do Estado), mais restrições aos serviços públicos básicos (até onde terão coragem de levar o desmantelamento do SNSaúde?), maior precarização do trabalho com o consequente aumento do desemprego, alterações na estrutura do IVA, ‘saque’ ao 13º mês,...

Depois do socialista Sócrates ter cumprido o papel de facilitar a abertura ao capital – à semelhança dos seus congéneres e restantes social-democratas desta descaracterizada Europa – cabe aos sociais democratas lusos, no papel dos neoliberais deste globalizado planeta, prosseguir (concluir?) a tarefa de desmantelar o que resta de serviços públicos e privatizar o que, no final, ainda sobrar do Estado capaz de gerar lucro (segurança?, justiça?, prisões?,...). Sabendo o PS neutralizado pelos compromissos assumidos com a troika, agem com rapidez e total impunidade. Indiferentes às dificuldades e aos ‘pequenos’ dramas pessoais, dos milhões de pessoas que fazem o país e que apenas contam como número estatístico capaz de transferir (ou extorquir) valor significativo do trabalho para o capital, ou como contribuintes para preencher os desvios, legais que sejam, da ruinosa gestão das negociatas em que se envolvem.

Até onde, pois, os sorrisos darão lugar à raiva, a resignação à revolta?