O Prof. João Duque escreveu, no passado dia 26 de Fevereiro, um artigo no Diário Económico, com o título "Os coelhinhos do Louçã". O título evoca a metáfora utilizada por Francisco Louçã na VI Convenção do Bloco de Esquerda. O tom do artigo é agressivo e a crítica bastante deslocada.
É certo que a metáfora utilizada por Louçã podia ter sido mais elaborada, mas ela tem fundamento e, para além do mais, numa Convenção não é suposto dar-se uma aula de economia. Parece-me, no entanto, que algo de mais profundo deve estar a incomodar o Prof. João Duque. O gráfico acima talvez ajude a explicar o quê.
Como dizia alguém, a guerra é demasiado importante para ser deixada aos generais. O mesmo se diga da economia. É esta a diferença entre Louçã e um João Duque. Mas, parece-nos que, apesar de tudo, este último está a fingir que não percebeu o significado da alegoria.
É evidente que dinheiro e capital são coisas distintas, mas a verdade é que a prática que levou a esta crise é que parece ter confundido uma coisa e outra. Se assim não fosse, a especulação financeira, o ganhar dinheiro com dinheiro - sem actividade produtiva - não teria atingido as dimensões que conduziram à situação que podemos constatar no gráfico acima, que nos dá a evolução da capitalização bolsista de alguns dos maiores bancos mundiais em cerca de ano e meio: é um verdadeiro buraco negro! Não teria conduzido à cada vez mais provável nacionalização de todo o sistema bancário norte-americano e britânico, os dois países símbolo do ultra-liberalismo económico-financeiro!
A referida alegoria alerta para o facto de que o dinheiro - o capital financeiro - não tem nenhum valor intrínseco, não gera valor por si mesmo, como aliás já notara Aristóteles ao reconhecer que, ao contrário do empréstimo de uma vaca ou de sementes, o empréstimo em moeda metálica não continha em si os meios da sua própria regeneração. Isto não significa a defesa ao retorno à troca directa, mas a consciência de que, de facto, só o trabalho humano gera os bens de que necessitamos. O próprio capital produtivo - os equipamentos, as máquinas, o "software" - resulta do trabalho. E a verdade é que a especulação foi premiada em detrimento do trabalho árduo, seja dos operários, dos cientistas, dos médicos, etc., como muito bem salienta Rui Tavares nesta crónica, referindo-se ao suposto talento dos financeiros, que justificou rendimentos fabulosos.
É curioso que João Duque acuse Louçã de deseducar o povo (!) e desmerecer o "Estado que o sustenta" enquanto professor de economia numa universidade pública por não utilizar uma linguagem técnica apropriada. Parece ignorar o que alguém dizia a propósito da verdade, que a exactidão pode ser inimiga daquela. Pois claro, as perdas potenciais no BPN, ou os avales concedidos pelo Estado não têm importância nenhuma. Claro que não! Então, porque há tanto problema com a Madeira? Mas o que preocupa João Duque é o "rigor" técnico, a diferença entre "Despesa" e "Investimento", de "Capital Próprio" vs "Passivo". Ora, muito bem! Mas o fundamental fica por dizer. Será que este investimento é de dinheiro sobre dinheiro? Será que não houve risco moral (premiar os faltosos) nos avales concedidos pelo Estado à banca? E a socialização dos prejuízos, mas não dos lucros? E os empréstimos da CGD para financiar a especulação de Berardos, Finos e Companhia. Será que nada disto merece uma consideração extensa do Prof. João Duque? Será que os pequenos investidores não foram defraudados?
Tem graça que não o vi criticar António Borges - ele sim, co-responsável nesta crise, na sua quota-parte, como professor e ideólogo numa importante escola de negócios liberal e ex-vice-presidente de um grande banco de investimento - e já agora, ex-futura esperança para líder de um partido político com responsabilidades de governo. Borges fez uma afirmação inacreditável sobre os "hedge funds", garantindo que não apresentavam nenhum risco sistémico.
Talvez o que incomode o Prof. João Duque é o falhanço dos instrumentos financeiros - derivados e afins - que ele também ajudou a difundir e o falhanço das entidades de supervisão das quais ele também era parte como consultor. Mas porque será a crítica dirigida a alguém que não tem nenhuma responsabilidade pela crise, nem nenhum poder efectivo? Tirem as vossas conclusões.
terça-feira, 3 de março de 2009
"Os coelhinhos do Louçã"
Cap Bolsista Bancos 1
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3 comentários:
Proposta à Blogosfera:
Dia "F" para o crime ambiental da Fajã do Calhau
http://fiatluxcarpediem.blogspot.com/2009/03/proposta-blogosfera-dia-f-para-o-crime.html
Também já tinha lido o comentário deste ‘habitué’ das TV’s, em resposta ao Louçã, mas achei que nem valia a pena perder tempo com estes comentadores, todos afinam pelo mesmo diapasão. Como tenho vindo a dizer insistentemente, eles tudo farão para demonstrar que o sistema é bom, por vezes é mal interpretado e daí os problemas com que se debate (como tentam fazer crer agora)!
A linguagem metafórica do Loução é porventura demasiado simplista, mas quem quis perceber a essência do problema, porque estava predisposto a isso (e não à espreita de uma qualquer deixa para aparecer qual ‘cientista’ ofendido), entendeu bem a mensagem: só o trabalho gera valor (e portanto também o capital); a especulação, que todos agora parecem contestar, é apenas e tão só fruto de um sistema cuja organização básica a isso predispõe (em maior ou menor dimensão).
O resto são os ‘coelhinhos’ com ou sem capacidade para acasalar e se reproduzir!
Esse tal Duque, é mais um dos muitos teóricos, bem ao estilo dos "treinadores de bancada", que vão pululando por aí, qual vedeta com a ajuda promocional muito preciosa das TVs.; é dos tais, este Duque, que na Universidade instrumentaliza a prática de acordo com teorias que não sabem, por vezes, a que prática referem...
Recorrendo a H.Marcuse :
«a prática não está apenas no fim, mas já no principio da teoria, sem que por esse facto se tenha que entrar num terreno estranho e exterior à teoria...»
Como se já não nos sobrasse esse Duque, que entra pelas nossas casas sem pedir "licença", temos a destita de levar com outros comentadores, claramente armados em "duques" encartados...
Triste sina a nossa, esta de levar com Duques e "duques" ...
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